A Associação dos Magistrados Brasileiros avalia que o alto índice arquivamento de processos de assassinatos no Brasil, sobretudo de negros e pobres, é resultado de uma legislação penal desfasada, digna de ser colocada em um museu e não de enfrentar assassinos.
A análise é uma resposta a polêmica gerada no Brasil por denúncias na imprensa de que Promotores de Justiça brasileiros estariam arquivando em massa as investigações de homicídios em alguns estados. No Rio de Janeiro e em Goiás, o índice de arquivamento ultrapassou os 95 por cento.
Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, desembargador Nelson Calandra, a culpa pelos arquivamentos não pode ser atribuída aos promotores porque, na verdade, são resultados de um conjunto de problemas graves brasileiros. “A investigação do crime de morte reclama polícia científica, polícia judiciária atuante e equipada e testemunhas. Ela reclama também um processo mais dinâmico e hoje nós julgamos crimes do mesmo modo que na década 40,” afirma. “Quando o Ministério Público arquiva, porque não encontra indícios da autoria ou prova de materialidade, ele faz aquilo que é resultado de uma legislação penal que precisa ser modificada. Se nós não mudarmos imediatamente o sistema processual penal brasileiro como vamos poder combater um homem armado de fuzil com uma peça de museus? Não dá, isso tem que mudar imediatamente,” completa Calandra.
O magistrado clama para que algumas mudanças na legislação sejam feitas com rapidez. “Eu participei da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados e propus que da Casa parta um balão de socorro para a sociedade brasileira. No nosso código de processo penal sua excelência é o réu, não é o juiz, o desembargador, o promotor e nem tão pouco o Conselho de Sentença. Essa legislação ultrapassada e um programa de proteção a testemunha que é uma verdadeira “desproteção” a testemunha, com testemunhas assassinadas, leva ao descrédito”, alerta o magistrado.
O presidente da Associação dos Magistrados lembra que não adianta o Brasil contar com o melhor Ministério Público do mundo, se há ausência de leis adequadas e de proteção real a testemunhas. “A impunidade, de mais de 90 por cento, é a medida exata da nossa omissão. Porque não há prova testemunhal que seja suficiente para a condenação. Sem isso, o tribunal não pode se movimentar,” explica.
Nelson Calandra lembra, ainda, que a realidade brasileira hoje desestimula qualquer um a dar testemunho de um crime. “Quem vai e testemunhar sobre um crime de morte sabendo que aquele grupo de extermínio que praticou o homicídio vai sair pela porta da frente junto com ele depois do julgamento pelo Tribunal do Júri, ainda que condenado. Como alguém vai aceitar a depor? Como você vai identificar alguém que assassinou em um morro carioca, se as pessoas não se apresentam, não dizem que presenciaram o fato? Como o Ministério Público pode obrigar alguma a testemunhar?,” pergunta Calandra.