O trabalho forçado durante a dominação colonial portuguesa teve “consequências terríveis” para o desenvolvimento dos países africanos de língua portuguesa, afirmou o Professor Miguel Bandeira Jerónimo numa entrevista á Voz da América.
Bandeira Jerónimo é autor da obra recente “Livros brancos, almas negas: a ´missão civilizadora´ do colonialismo português” em que aborda o fenómeno do “trabalho forçado” durante o império colonial português em África, algo que ainda hoje marca a situação nesses países.
A politica de trabalho forçado como “instrumento de civilização” levou a que fossem ignorados aspectos como a educação algo que só muito tardiamente as autoridades coloniais tentaram remediar.
Miguel Bandeira Jerónimo, professor visitante na Universidade de Brown, nos Estados Unidos, afirma que o trabalho forçado é o resultado daquilo que ele considera ser a pedra basilar e fundamental na emergência e consolidação do império português em África, nomeadamente a “racialização “ do mundo colonial.
“Racialização” disse ele, serve para descrever o modo como no interior de uma determinada sociedade se categorizam as populações do ponto de vista racial.
É também o modo como as instituições “ nomeadamente o estado colabora nesse processo” e no caso português as categorias raciais foram usadas para organizar o império.
O Professor Jerónimo fez uma distinção entre o modo como o estado e as instituições politicas pensavam “ de um ponto de vista racial” e o racismo.
O racismo, disse, “tem muito mais a ver com práticas de distinção e diferenciação e de discriminação racial enquanto que a racialização é um processo mais global”, embora “sejam questões associadas”.
Para o Professor Jerónimo o trabalho forçado “ foi uma constante” do império colonial português em África, abolido apenas oficialmente em 1961/62 “já muito próximo do fim do império”.
A razão porque o trabalho forçado jogou um papel tão preponderante na política colonial portuguesa “tem muito a ver com o modo racializado” com que as autoridades políticas portuguesas pensaram o império.
“O modo como se pensava que o trabalho forçado era um instrumento de civilização tinha muito a ver com um determinado conjunto de pressupostos raciais que governavam o espírito e as leis das autoridades e do estado português,” disse.
A “missão de civilização” do império português assentou essencialmente no trabalho “como única forma para civilizar as populações nativas”.
“É uma visão racializada e claramente racista que está na origem de uma determinada missão civilizadora que teria o trabalho forçado como instrumento fundamental,” acrescentou.
Essa visão está também associada à perspectiva do império como “um espaço de exploração económica”.
Essas duas perspectivas, acrescentou, “andaram sempre de mão dada” e seria um erro tentar separa-las.
“É impossível pensar uma sem associar a outra,” disse.
A aplicação do trabalho forçado foi feita através de instrumentos como o “imposto de palhota”, a “punição da vadiagem (muito utilizado e bastante arbitrário)”.
“Havia muitos métodos directos e indirectos para forçar os africanos a trabalhar ora para o estado ora para as empresas privadas,” disse o Professor Jerónimo.
Muitas vezes o trabalho forçado era “apenas um mecanismo indirecto do estado colonial português fornecer mão-de-obra às empresas privadas”.
O impacto desta política foi “muito negativo” já que “o que se apostou num mercado de trabalho forçado não se apostou por exemplo no desenvolvimento da instrução”.
“ O desenvolvimento de um sistema escolar no império português é muito, muito tardio,” disse o professor acrescentando que foi apenas nos anos 50 “ou mais significativamente nos anos 60” que isso aconteceu algo que descreveu de “muito tardio”.
“Isto tem consequências terríveis e claramente contribuiu para o sub desenvolvimento dos países que outrora fizeram parte do império português,” acrescentou.
Miguel Bandeira Jerónimo é professor visitante na Universidade de Brown aqui nos Estados Unidos onde se encontra com o apoio da Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento, FLAD. É doutorado pelo King's College em Londres.