O Presidente de Cabo Verde revelou que o montante pago à primeira-dama, Débora Carvalho, pela Presidência da República, já foi reposto, reconhece que o órgão errou e lembrou os limites impostos pelo respeito devido ao bom nome e à dignidade das pessoas, de todas as pessoas.
“Antes mesmo do pronunciamento dos tribunais, já foi feita a devolução, na íntegra, aos Cofres do Estado, do montante recebido a título de remunerações à senhora primeira-dama”, revelou José Maria Neves numa comunicação ao país nesta sexta-feira, 23, na qual voltou a explicar a decisão da Presidência da República em pagar honorários Carvalho e o seu posicionamento quando a polémica foi despoletada.
O chefe de Estado afirmou que “nas ações da Presidência da República não houve, em momento algum, e nem poderia ter havido, nenhum laivo de má-fé, desejo de ludibriar, muito menos o propósito de produzir benefícios injustificados para si ou para terceiros”.
“Concretamente no que se refere à definição das compensações à senhora primeira-dama, tudo foi feito com transparência e no convencimento de que, no âmbito da lealdade e cooperação institucionais, o necessário e completo quadro legal seria produzido com celeridade”, explicou Neves, quem sublinhou que “todas as articulações foram feitas, foi elaborada e submetida uma proposta de nova lei orgânica, bem como foram criadas as condições necessárias no plano orçamental”.
Conhecimento do Governo
O Presidente fez coro ao posicionamento do Conselho da Administração da Presidência da República que, num comunicado emitido na segunda-feira, 19, informou que todas as informações foram prestadas ao primeiro-ministro sobre o anteprojeto de nova Lei Orgânica da Presidência da República, o qual continha dispositivos jurídico-administrativos visando regular questões sobre a primeira-dama.
A Presidência revelou que o processo foi entregue “em mãos” e, “como mandam as boas práticas”, o documento foi depois enviado ao chefe do Executivo e à ministra da Presidência do Conselho de Ministros.
Na sua comunicação de hoje, José Maria Neves reiterou que, no início do seu mandato, foi seu entendimento que “era mais saudável, do ponto de vista ético, que a cidadã Débora Katisa Carvalho se desvinculasse da empresa onde até então trabalhara e assumisse a tempo inteiro a condição de primeira-dama, ficando, pois, à vontade para o decorrente volume de compromissos no âmbito de uma agenda social e de representação institucional que queríamos fosse intensa”.
Para ele, seria “mais benéfico para a Presidência da República e mais leal para com a empresa” que ela se dedicasse a tempo integral na função de primeira-dama.
"Tentativas de assassinato de caráter"
Numa leitura mais abrangente da polémica, o Chefe de Estado cabo-verdiano afirmou que “estamos num momento que exige serenidade e discernimento para que se possa entender os dados do problema, todos os dados, e, em consequência, fazer o que deve ser feito”.
“Nesta nossa sociedade pequena e de interconhecimento, por via de regra julgamos e condenamos com rapidez, sem dominar todos os dados e, no caso concreto, sob o efeito de uma intensa campanha de politização, de procura de ganhos para agendas não declaradas e, pior ainda, de diabolização de pessoas e tentativas de assassinato de caráter”, continuou José Maria Neves, quem disse, “obviamente” perceber “as motivações dos pronunciamentos no quadro da luta política e do livre exercício da cidadania e da liberdade de expressão".
Reconhecimento do erro
No entanto, ele sublinou que “é sempre bom recordar os limites impostos pelo respeito devido ao bom nome e à dignidade das pessoas, de todas as pessoas, de cada pessoa”.
O Presidente afirmou ainda acreditar que “a esta altura, todas as cabo-verdianas e todos os cabo-verdianos já perceberam o que é que aconteceu e, sobretudo, o que é que não aconteceu”.
“Queira-se ou não, estamos perante uma nódoa na história do relacionamento sem rugas que deve existir entre os Órgãos de Soberania e, em particular, da cooperação e lealdade institucionais que favoreçam o bom desempenho de cada um deles. Houve falhas do lado da Presidência da República? Seguramente que sim. Com toda a humildade as reconheço perante a Nação cabo-verdiana. Não deveria ter sido assim; não voltará a ser assim. É fundamental que o vínculo de confiança entre a Nação e a sua mais alta instância permaneça sem quaisquer motivos para sobressaltos. O meu empenho nesse sentido é total”, assegurou José Maria Neves.
Na comunicação, ele informou que a primeira-dama já iniciou funções numa outra empresa nacional e enfatizou que “a alguém que sempre trabalhou e subiu a pulso na sua carreira profissional mediante concurso, não se pode legitimamente pedir que esteja sem rendimentos próprios e sem segurança social”, mas assegurou que “ela continua, todavia, comprometida com os vários encargos decorrentes da condição de primeira-dama e estará a cumpri-los, com as limitações que obviamente decorrem das suas novas obrigações laborais”.
A inspeção
Numa auditoria feita à gestão da Presidência da República, a Inspecção Geral das Finanças concluiu que o montante pago à primeira-dama durante dois anos no valor de aproximadamente 54 mil dólares foi “irregular” e “sem base legal” e que os valores deveriam ser devolvidos.
O Tribunal de Contas, que tem competência aplicar sanções ou tomar medidas legais, também fez uma auditoria, mas as conclusões não foram divulgadas ainda.
Ao finalizar a sua comunicação, o Presidente afirmou que “no concernente às demais questões que têm estado sob escrutínio, importa aguardar serenamente pelo pronunciamento do Tribunal de Contas” que, “na sequência disso, com certeza que serão tomadas as medidas que tiverem de ser tomadas”.
Governo pede responsabilização
Refira-se que na terça-feira, 20, o Ministério das Finanças e do Fomento Empresarial pediu à Presidência da República que assuma as suas responsabilidades por ter pago salários “à margem da lei”.
Em nota, o Ministério reiterou que a Inspeção Geral das Finanças (IFH) concluiu que os pagamentos foram feitos de forma irregular e sem sustentação legal e lembra que a “Presidência da República tem total autonomia administrativa, financeira e patrimonial”, e que “presta contas, autonomamente, junto do Tribunal de Contas.
Aquele departamento governamental dirigido pelo vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, sublinhou que foram detetadas outras irregularidades ao nível da gestão dos recursos humanos e sublinhou que “o relatório da IGF, uma vez concluído, foi publicado e encaminhado ao Tribunal de Contas, para o competente julgamento dos factos relatados" e pede "que se deixe que instituições funcionem, ao mesmo tempo que apelou à assunção das responsabilidades".
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