O mundo está a tornar-se mais autoritário à medida que os regimes autocráticos se tornam ainda mais claros na sua repressão e muitos governos democráticos estão a recuar e a adoptar tácticas autoritárias, restringindo a liberdade de expressão e enfraquecendo o Estado de direito, uma tendência exacerbada pela pandemia de Covid-19.
Estas são as principais conclusões do “Relatório do estado global da democracia 2021 – Construindo resiliência na era da pandemia”, publicado nesta segunda-feira, 22, pelo Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (International IDEA), uma organização intergovernamental sediada em Estocolmo, na Suécia.
Veja Também Moçambique é apenas democrático no plano teórico, consideram analistasO número de Estados democráticos onde se verificaram retrocessos nos parâmetros avaliados duplicou na última década e afectou países como os Estados Unidos, Brasil, Hungria, Polónia e Eslovénia.
O relatório estima que 70 por cento da população mundial vivem em países não democráticos ou em retrocesso democrático e apenas nove por cento em democracias plenas.
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Entre os países de língua portuguesa, o Brasil é o único citado no relatório como sendo a “democracia que mais retrocedeu em 2020”, com a gestão da pandemia a ser “atormentada por escândalos de corrupção e protestos, enquanto o Presidente Jair Bolsonaro minimizou a pandemia e deu mensagens contraditórias”.
Os autores do estudo escrevem que “o Presidente testou abertamente a democracia do Brasil, as instituições, acusou magistrados do Superior Tribunal Eleitoral de preparar uma fraude nas eleições de 2020 e atacou a imprensa”.
Veja Também Painel do Senado vai recomendar acusações criminais contra Bolsonaro pela resposta à Covid-19Bolsonaro, ainda segundo o relatório da International Ideia, declarou “que ele não vai obedecer às decisões do Supremo Federal Tribunal, que investiga falsas notícias sobre o sistema eleitoral do país”.
Campainha de alarme
O relatório chega num momento oportuno, segundo os seus autores, por ocasião da Cimeira sobre a Democracia convocada pelo Presidente dos EUA, Joe Biden, para 9 e 10 de Dezembro, em que líderes de cerca de 100 países vão discutir os desafios que a democracia enfrenta.
"O relatório sobre o Estado Global da Democracia não é um alerta, é uma campainha de alarme", lê-se no documento, como aviso para o avançar do autoritarismo “em todos os cantos do mundo”.
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De um modo geral, o número de países que avançaram numa direcção autoritária em 2020 “superou o número dos que avançaram numa direcção democratica", diz o documento.
O mundo perdeu pelo menos quatro democracias nos últimos dois anos, quer através de eleições fraudulentas, quer através de golpes militares, e “os índices do Estado Global da Democracia (GSoD) mostram que os regimes autoritários têm aumentado a sua repressão, sendo 2020 o pior ano de que há registo”.
Golpes militares em África
Em África, o relatório fala de "declínios recentes da democracia" e realça os golpes militares no Chade, Guiné-Conacri, Mali e Sudão.
Veja Também Blinken diz em visita a África que a "recessão democrática" está a crescer em todo o mundoNota positiva para a Zâmbia que “regressou à democracia”.
A pandemia da Covid-19 aprofundou a tendência de deterioração democrática, diz o relatório, lembrando que, desde Agosto de 2021, “64% dos países tomaram pelo menos uma acção considerada desproporcionada, desnecessária ou ilegal para travar a pandemia".
Mas há resistências
A erosão democrática, entrentato, não é "uma via de sentido único".
“Muitas democracias têm-se mostrado resistentes, inclusive durante a pandemia da Covid-19, introduzindo ou expandindo inovações democráticas e adaptando as suas práticas e instituições em tempo recorde”, diz o documento.
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O relatório conclui que muitos países realizaram eleições credíveis em condições extremamente difíceis criadas pela pandemia, muitas vezes através da expansão das modalidades de exercício do sufrágio.
No entanto, a International IDEA adverte para “a grave e iminente ameaça de desinformação e acusações infundadas de fraude eleitoral, como se viu em Myanmar, no Peru e nos Estados Unidos".
Uma das principais conclusões desta investigação é a notável força do activismo cívico em todo o mundo.
“Os movimentos pró-democracia têm lutado contra a repressão em locais como a Bielorrússia, Cuba, Eswatini, Mianmar e Sudão, e os movimentos sociais globais para combater as alterações climáticas e combater a injustiça racial têm prosperado", diz a organização, citando que mais de 80 países viram protestos e acções cívicas de diferentes tipos durante a pandemia, apesar das restrições governamentais frequentemente severas.
Veja Também Convocada manifestação em Luanda para assinalar aniversário da morte de Inocêncio de MatosO relatório recomenda uma série de acções políticas para apoiar a renovação democrática global, com contratos sociais mais equitativos e sustentáveis, reforma as instituições políticas existentes e apoio e reforço da luta contra o recuo democrático e o autoritarismo.