Cinco dias depois do massacre de Monte Tchota, em Cabo Verde, em que um soldado matou oito colegas e três civis, a sociedade cabo-verdiana continua a aguardar pelas investigações em curso, ao mesmo tempo que levanta várias questões, entre elas o facto de o comando das Forças Armadas (FA), a 25 quilómetros do local, ter tido informação do caso mais de 24 horas depois e através de um empregado do hotel onde se hospedavam os três civis.
Em determinados círculos, questiona-se também o silêncio dos responsáveis das FA, entre os quais o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas.
O ministro da Defesa, Luís Filipe Tavares, emitiu hoje um comunicado a anunciar a abertura de um inquérito ao ocorrido.
O debate sobre uma profunda reforma das FA também começa a ganhar espaço.
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Em conversa com a VOA, o major na reforma Adriano Pires, autor de livros sobre as FA, numa análise aos acontecimentos que estão sob investigação, considera que “quando um exército não se consegue defender é muito grave”.
E é taxativo ao afirmar que falhou a comunicação.
“É inadmissível que um destacamento militar, a 25 quilómetros do Comando, seja agredido, porque foi uma agressão, passadas mais de 24 horas não tenha sido informado”, afirma Pires.
Aquele major na reforma diz não entender também como um sentinela tinha tantas munições na sua posse, quando devia possuir apenas uma “arma para salvas de alerta para chamar o corpo da guarda em caso de necessidade”, e questiona ainda como teve acesso às armas dos colegas “que deviam estar guardadas e na posse do chefe do destacamento militar”.
Ao contrário do que tem sido especulado “de forma sensacionalista”, nas palavras de Adriano Pires, ele não defende a demissão agora do Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, mas considera que deve colocar o cargo à disposição.
“Nas democracias avançadas, o Chefe de Estado Maior coloca o cargo à disposição e compete a quem de direito, e neste caso o Governo, analisar e ver de acordo com a investigação que se está a fazer, e que eu não conheço, se há responsabilidade do chefe máximo das FA e, em havendo, deve ser demitido, sem qualquer animosidade em relação à pessoa”, alega Pires, que também estende a eventual demissão ao responsável do Comando da 3ª. região, que tem a seu cargo o destacamento militar de Monte Tchota.
Reforma das FA
O caso abriu um debate em Cabo Verde sobre a reforma das FA, no momento em que o arquipélago é apontado como plataforma de transbordo de droga da América Latina para o continente africano e Europa e em que se registam movimentos extremistas em países vizinhos.
Para aquele militar na reforma, é chegado o momento de “uma reforma profunda das Forças Armadas, que devem deixar de ficar à espera da guerra e prepararem-se para defender o país, de olhos no presente e no futuro, e não no passado”.
Inquérito
Por agora, o ministro da Defesa anunciou a abertura de inquérito para averiguar as eventuais irregularidades no funcionamento do destacamento militar de Monte Tchota.
Num curto comunicado, Luís Filipe Tavares defendeu, que perante a “gravidade dos factos ocorridos”, impõem-se o “efectivo apuramento” de responsabilidades e anunciou que “medidas serão tomadas”.
“As Forças Armadas, enquanto instituição de referência nacional, têm a disciplina e o cumprimento de normas e procedimentos como imperativo”, disse o ministro, reiterando a firme determinação do Governo em garantir o “efectivo funcionamento” das instituições da Segurança e da Defesa Nacional.
PR pede reflexão tranquila
Entretanto, o Presidente cabo-verdiano pediu uma reflexão tranquila e serena sobre o massacre de Monte Tchota.
Em declarações aos jornalistas nesta sexta-feira, 29, depois de assinar o livro de condolências aberto na Embaixada de Espanha na cidade da Praia, Jorge Carlos Fonseca disse que deve-se distinguir dois momentos.
“Estamos muito em cima dos acontecimentos, o momento é de tristeza e consternação. Decorreram ontem as cerimónias fúnebres das vítimas cabo-verdianas, as pessoas estão enlutadas e haverá um momento posterior para se se possa fazer com tranquilidade e serenidade uma reflexão sobre os acontecimentos", disse Fonseca, que considerou normal o silêncio das chefias militares, embora estejam presentes nas cerimónias fúnebres.
O soldado Manuel da Silva Ribeiro, autor confesso do massacre, já foi entregue à justiça militar.