Tribunal de Cabinda liberta activistas dos direitos humanos

Forças especiais angolanas em Cabinda, em Janeiro passado, durante o CAN 2010 (AP Photo/Darko Bandic)

Padre Tati diz à VOA que "está sereno". UNITA apela à responsabilização dos juízes. Governo ainda não reagiu.

Quatro activistas dos direitos humanos, condenados por cumplicidade num ataque terrorista em Janeiro passado foram libertados, quarta-feira, em Cabinda.

José Benjamin Fuca, Belchior Lanso Tati, Francisco Luemba e o Padre Raúl Tati, cujo estado de saúde inspira cuidados, foram libertados por decisão do Tribunal Constitucional de Angola. Os juízes decretaram a libertação por entenderem que, tendo sido revogado o artigo 26º da anterior Lei de Segurança do Estado, ao abrigo do qual os arguidos foram condenados, deixara de haver base legal para a sua continuada detenção.

Após a sua libertação, o Padre Tati, com lágrimas nos olhos, disse a José Manuel, correspondente da VOA, que "neste momento estou sereno. Neste momento a minha prioridade é curar a minha saúde, que está seriamente debilitada".

Alberto Raimundo, um dos principais advogados de defesa deste processo, declarou à VOA, em Cabinda, regressar a Luanda com a consciência do dever cumprido. Raimundo defendeu que o Tribunal de Cabinda agiu "à margem da Constituição" quando condenou os activistas. "O momento é de grande emoção", disse.

O vice-presidente da UNITA, Jorge Mulato, declarou à VOA estar satisfeito com a libertação dos quatro, a três dias do Natal, mas adiantou ser preciso responsabilizar os juízes que condenam, indevidamente, as pessoas.

Mulato acrescentou ser necessário esperar para ver se esta decisão, apesar de benvinda, é um acto isolado ou um sinal de mudança no sistema judicial angolano.

Por seu turno, Alcides Sakala, porta-voz da UNITA, disse que para Cabinda “deixar de ser um problema, falta sentar a mesa o governo de Luanda e a FLEC para que, com negociações serias, se acabe com um problema já demasiado longo”.

Para José Patrocinio, dirigente da organização angolana de direitos humanos OMUNGA, a libvertação dos detidos é motivo de satisfação. Mas nota que eles nunca deveriam ter sido presos e condenados.

O estado de saúde do Padre Tati é, por outro lado, a principal preocupação do activista cabindense José Mavundo."Está magro, muito magro, de rosto pálido", disse Mavungo atribuindo o estado do clérigo aos "maus tratos e condições de detenção". .

Como relata Alexandre Neto, da VOA em Luanda, o calvário do padre Raul Tati e demais activistas cívicos, José Benjamim Fuca, Belchior Lanso Taty e Francisco Luemba tive início pelas 6:00 horas de 12 de Janeiro, quando a polícia efectuou busca nas suas casas.

O primeiro a ser detido foi Benjamim Fuka, por terem sido encontrados consigo, documentos como o Estatuto da FLEC-FAC e um Regulamento Interno dum Comité local.

Seguiu-se no dia 13, Belchior Lanso Tati. Consigo foram encontrados material bibliográfico e a publicação “Estratégia Global p/ Solução de Conflito de Cabinda.

Segundo reportou a polícia ao Procurador local nos autos, os activistas levavam a cabo acções como colagem de panfletos incitadores dos populares menos esclarecidos. Estas e outras acções nas quais se podiam incluir reuniões mantidas quer no interior como no exterior do país, “eram subversivas e ... alimentadas por alguns núcleos constituídos por Francisco Luemba e Raul Tati”.

Os visados viriam a ser presos logo a seguir e acusados pelo Ministério Público de prática de “Outros Crimes” conforme o artigo 26 da lei dos Crimes Contra a Segurança do Estado.

A detenção do padre Raul Tati coincidiu com a decisão que havia tomado em Agosto do ano passado de deixar a actividade clerical, intenção que manifestou junto da diocese local e num círculo mais restrito de amigos e familiares.

A sua prisão na cadeia do Yabi passou por isso a ser vista como uma retaliação, face também ao seu posicionamento crítico em relação ao conflito de Cabinda.

Mas o histórico de detenções na província de Cabinda espelha o ambiente de repressão no enclave, rico em petróleo, onde são recorrentes os ataques da guerrilha.

Em dois anos, sete pessoas entre as quais o jornalista Fernando Lelo, foram condenadas com penas de 12 e 13 anos.

Apesar de alguns terem sido absolvidos no decurso do processo, a lista de detidos é engrossada por civis, alguns dos quais agricultores da região ou membros da autoridade tradicional, incluindo o regedor do Conde acusado de crime de sabotagem, cuja pena foi agravada pelo Tribunal Supremo para 24 anos de prisão.

Como fundamentou a defesa no recurso que interpôs junto do Tribunal Constitucional, os activistas cívicos não praticaram nenhum crime. “Outros Crimes” como foram acusados, sugere de facto estar-se no mundo das hipóteses ou conjecturas.

Como sublinhou Fernando Macedo, o Tribunal Constitucional não esteve bem no processo, sobretudo por ter atrasado a decisão do Recurso do mês d’Agosto, deixando que a solução do problema fosse encontrada através da revogação da lei 7/78 por parte da Assembleia Nacional e não pela declaração de inconstitucionalidade. Segundo a fonte que estamos a citar,o Tribunal fugiu à sua responsabilidade.

A decisão do Acórdão entretanto, não produz nenhum efeito imediato para os outros casos, como são as detenções dos membros do Manifesto da Lunda Tchókwe.