A sociedade brasileira precisa abandonar a hipocrisia, assumir que é extremamente racista e, a partir desse reconhecimento, enfrentar o grave problema de frente. Essa é a opinião da Doutora e Filósofa, Sueli Carneiro, que acaba de lançar o livro Racismo, Sexismo e Desigualdades no Brasil.
Em entrevista à VOA, a fundadora do Geledés Instituto da Mulher Negra afirma que a sociedade brasileira esconde atrás de um discurso de miscigenação uma realidade de discriminação e exclusão do negro. Para a escritora, esse comportamento histórico tem feito com que os afrobrasileiros tenham os piores índices de qualidade de vida entre afrodescendentes de países com histórias parecidas com a do Brasil.
A autora explica que a discriminação e a intolerância no Brasil são resultados de uma postura de negação histórica. “A sociedade brasileira sempre preferiu fazer de conta que nós não tínhamos esses problemas. Isso só os agrava na medida em que cria um caldo de cultura de impunidade em relação às práticas criminosas de racismo, violência contra a mulher e homofobia”, afirma.
Segundo Sueli, em outros lugares do mundo, deixar de negar o racismo foi o primeiro passo para combatê-lo. “Em todas as sociedades que conseguiram enfrentar esse problema de forma direta, muito foi superado em termos dessa intolerância e no sentido da inclusão social de segmentos historicamente discriminados. No Brasil nega-se sistematicamente um problema visível a olho nu, como se a pura negação pudesse resolvê-lo e não resolve, agrava-o.”
De acordo com Sueli Carneiro, o racismo é uma das formas de preconceito mais fortes no Brasil. “Uma das mais graves e, sobretudo, é a que provoca maior dano para todos os envolvidos. O racismo rebaixa a humanidade de todos, de quem pratica e de quem é vítima. Ele produz uma falsa consciência em algumas pessoas de superioridade em relação a outros seres humanos.”
A escritora critica quem acha que o Brasil, devido ao processo de escravidão, ainda vive um período de evolução com relação ao reconhecimento do negro na sociedade. “Esse tipo de pensamento é tolerância com as nossas misérias. É achar que mais de um século é tempo insuficiente para promover a verdadeira inclusão social dos negros e para promover uma verdadeira democracia social. Isso é ser tolerante com a nossa miséria cultural, é ser antiético, inclusive, na percepção do fenômeno social brasileiro,” destaca a escritora.
A Doutora e Filósofa, estudiosa do racimo no Brasil, lembra ainda que o problema no país tem relação com todas as dimensões da sociedade. “Temos práticas de discriminação por motivo racial presente cotidianamente no mercado de trabalho, no cotidiano escolar e na forma como os negros são tratados pelos órgãos de repressão como suspeitos a priori,” lembra. “Nós temos um caldo de cultura que criminaliza, o tempo todo, a existência da pessoa negra. Ela está sempre sujeita a sofrer uma violência física, psicológica ou moral por causa da cor e, sobretudo, a justiça não pune,” completa.
Para a autora, a forma “covarde, sutil, mentirosa e hipócrita” de lidar com o racismo no Brasil paralisa qualquer possibilidade de se avançar em políticas integradoras da comunidade negra e produz os piores indicadores que os negros têm frente a outros países com essas características multiraciais como Estados Unidos e África do Sul.
Se comparado com outros países, a autora avalia a situação do Brasil como uma das piores para os afrodescendentes. “Todos os dados que se conhece sobre a realidade de afrodescendentes e africanos em lugares onde existiam segregação legal ou apartheid, os indicadores são melhores do que os dos afrobrasileiros. A África do Sul tem índice de escolaridade para negros superiores ao dos brasileiros.”
Carneiro afirma cita ainda o caso dos Estados Unidos onde os negros tiveram políticas de inclusão social e de combate às práticas discriminatórias que permitiram que essa população apresentasse hoje índices de educação e renda extremamente superiores aos dos negros no Brasil.
Sueli Carneiro alerta que a sociedade brasileira precisa decidir se ela vai permanecer com a política que ela denomina “hipócrita” de fazer de conta que o problema não existe ou se vai reconhecer o problema e agir de acordo com as necessidades que ele apresenta. “Isso significa apoiar políticas de ação afirmativa que estão sendo gestadas, implementar essas políticas e convocar o judiciário num esforço de fazer valer leis e de punir praticas de discriminação tão correntes na nossa sociedade,” finaliza Carneiro.