Inicia na próxima segunda-feira, 23, o julgamento das chamadas dívidas ocultas, contraídas entre 2013 e 2014, durante o último mandato de presidencial de Armando Guebuza.
É o julgamento mais aguardado dos últimos tempos e será no recinto da cadeia mais protegida do país, mais conhecida por BO, na província de Maputo.
Manuel Chang, antigo ministro das Finanças do Governo de Guebuza, é o grande ausente. Detido em 2018, na África do Sul, Chang aguarda a decisão da sua extradição para Moçambique ou Estados Unidos da América.
Em causa está um processo que tem como causa, cerca de dois mil milhões de dólares de empréstimos contratados em bancos europeus, com aval do Estado, cujos contornos começam com a falta de transparência e violação dos procedimentos legais.
Segundo a argumentação para o que acabou sendo um calote, o valor devia ser usado para o financiamento de segurança costeira e pesca do Atum, mas o valor acabou diluído em esquemas que envolvem o pagamento de subornos, comissões em outras situações mal esclarecidas, segundo constatou um relatório de auditoria internacional, realizada pela Kroll, uma empresa de consultoria de riscos, a pedido da Procuradoria Geral da República.
No banco dos réus estão arroladas 19 pessoas que vão desde alegados lobistas, como Teófilo Nhangumele e Bruno Tandane; o antigo director da secreta nacional, Gregório Leão; personalidades com conexões políticas, como Ndambi Guebuza, filho do antigo Presidente da República, Armando Guebuza; Inês Moiane e Renato Matusse, respectivamente, antiga secretária e assessor de Guebuza.
Tentáculos por esclarecer
Venâncio Mondlane é economista e parlamentar que, desde a primeira hora bateu-se pelo esclarecimento do calote. Olha para a fase que vai iniciar com expectativa, mas diz que, além de Manuel Chang, antigo Ministro das Finanças, considerado o rosto mais visível do crime, há mais figuras-chave que faltam no xadrez dos que estarão no banco dos réus.
“Há outros tentáculos que penso que devem ser esclarecidos. Um dos tentáculos, que penso que devem ser esclarecidos e que acho que nem devia estar arrolada como declarante, mas como ré, é Isaltina Lucas, que foi Directora Nacional do Tesouro”, diz.
Mondlane sublinha que Lucas “é uma peça-chave e que existe matéria indiciária do seu envolvimento criminoso nesta matéria, pelo que, neste momento, devia ser arrolada como ré” disse Mondlane, apontando os então administradores do Banco de Moçambique, como outros que deveriam responder pelo crime.
Para além dos 19 arguidos foram chamados dezenas de personalidades, na sua maioria, políticos ligados ao partido Frelimo, com destaque para Armando Guebuza que, na contratação das chamadas dívidas ocultas, era o Chefe de Estado, que vão ajudar a esclarecer os contornos do caso. Também aqui há, diz Mondlane, quem devia estar estar, mas que não está.
“O Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi é, neste momento, uma das peças fulcrais da contratação dessas dívidas ocultas, portanto, ainda existe muita gente envolvida neste processo, mas que até este momento não foi arrolada” salientou.
O julgamento será dirigido pelo Juiz Efigénio Baptista, um magistrado com pouco mais de 40 anos de idade, que terá a missão de trazer a justiça, num caso com contornos políticos, sociais e económicos, que levou o Estado a acumular uma dívida considerada insustentável e cujos contornos levaram a comunidade internacional, a suspender o financiamento do Orçamento de Estado.