Sem uma reavaliação urgente das prioridades do governo, o povo angolano está destinado a continuar a sofrer em 2025 as consequências de uma crise económica sem precedentes. A advertência é dos especialistas Rui Mangovo, Mestre em Democracia e Governação, e do economista Gaspar Fernandes, que fazem estes apelos numa altura em que a população luta diariamente contra dificuldades que ameaçam a sua sobrevivência e a dignidade.
Fome, pobreza extrema, escassez de alimentos, perda de poder aquisitivo, baixos salários, falta de emprego para jovens, subida dos preços dos bens essenciais é cenário que define o quotidiano de muitos angolanos, à medida que o novo ano se aproxima. Com apenas 2 dias restantes para 2025, a falta de esperança permeia as conversas nas ruas de Luanda.
O preço dos produtos da cesta básica está muito alto, parece que estamos a comprar em dólar."
Dizem os citadinos, amargurados pela actual situação social e económica do país, que não se vislumbra um fim para este cenário que coloca sob pressão quem tem família para sustentar.
“Os preços subiram muito. Tudo está caro. O arroz, a massa, a fuba. Você vai comprar óleo ou vai comprar roupa para as crianças? O governo é que deve saber que o povo está a sofrer. Nós como povo vamos falar o quê? Se a pessoas não põem uma banheira na cabeça para zungar vai sofrer e as crianças não vão comer. Não há dinheiro e o país não está nada bom. Não sei como é que vai ser, só Deus é que sabe o que será 2025. O preço dos produtos da cesta básica está muito alto, parece que estamos a comprar em dólar”, desabafaram distintos cidadãos que fazem de actividades informais como a zunga e o serviço de moto táxi como a sua fonte de rendimento.
Mário Miguel, moto taxista, é um exemplo gritante da resiliência em tempos de adversidade. Com todos os riscos que a actividade acarreta, todos os dias faz-se à estrada antes do sol nascer e só regressa à casa horas depois do último raio de sol se pôr ou em dias mais difíceis quando a lua nasce.
Os sacrifícios são justificados pela actual situação social do país que não permite um emprego melhor e uma vida mais digna. O jovem entende que se a política de governação não mudar, em 2025 a situação vai piorar. “É preciso haver mais emprego para juventude, melhorar o acesso a saúde, à educação e a cesta básica”, diz o jovem, para quem o Governo se deve dedicar à melhoria dos serviços sociais em geral.
Nem mesmo quem tem uma profissão consegue defender-se em tempo útil pelo menos do ataque da fome que todos os dias lhe faz frente.
Zé Mungo é um ex-militar que por razões burocráticas, diz, não beneficia da sua reforma na caixa de segurança social, e para sustentar a família tornou-se sapateiro. É reparando calçados no distrito Urbano do Palanca, província de Luanda, que procura o sustento para a família. Contudo, há dias difíceis, como estes que se aproximam do final do ano, em que não tem trabalhos por fazer, não tem dinheiro para comer, enquanto o filho chora e a mulher espera pacientemente por uma providência divina.
“Nem um kwanza tenho, nem um bago de jindungo tenho. Estou assim desde esta manhã. O meu filho estava aqui e ficou a chorar. Desde que sentei de manhã não tenho trabalho”, desabafou.
Se para uns não há emprego, para outros há emprego, mas não há salário. Os patrões não honram os seus compromissos com os honorários de modo oportuno.
Miguel Afonso é Agente Comunitário, trabalha com ONGs ligadas à saúde e à educação. Trabalha como agente mobilizador para diversas campanhas institucionais.
“Tenho subsídios em atraso. Não sou funcionário público, mas faço trabalhos para organizações que prestam serviço ao Estado, principalmente na área da saúde e educação. Sou facilitador e mobilizador para campanhas de vacinação. Estes atrasos no pagamento criam uma certa expectativa negativa em relação à quadra festiva. Por isso a dificuldade é grande”, lamentou o interlocutor que está, por outro lado, preocupado, com a subida dos preços de bens essências no mercado.
Não há valores. É a primeira resposta obtida quando perguntamos como será a passagem de ano 2024 para 2025 e as perspectivas para o novo ano. À medida que 2024 chega ao fim, muitos angolanos vêem-se obrigados a fazer contas para sobreviver. Com o novo ano às portas, há quem esteja sob pressão devido às dificuldades financeiras, por isso faz contas para que consiga lograr os seus objectivos pessoais e familiares.
“A minha maior dificuldade é financeira. As coisas estão caras e é preciso saber economizar para comprar alguma coisa para família e depois restar mais um pouco. O pouco que conseguirmos fazer devemos poupar para comprar o básico para família, como a gasosa. Não nos podemos iludir tipo que temos muito. Vamos nos remediar e ficar com o que tenho esperando por dias melhores”, reportaram.
Em resultado das preocupações socioeconómicas e com a passagem de ano à vista alguns citadinos, como Filipa Manuel e José João, fazem apelos à reflexão e à contenção.
“Este mês é e tentação. Não podemos apenas comer e beber. É preciso fazer oração para passar bem e entrar bem no ano novo. Se você não rezar, nem ir à igreja a tentação vai te entrar”, disse Filipa Manuel, cristã professa e vendedeira.
"Para mim a ideia de que se tem que gastar mais nesta data é hipocrisia e idiotice, pois apenas é uma data comercial que faz com que as pessoas comprem mais”
“Todos os dias são para se preocupar com a família, como bem-estar do vizinho e estar e harmonia comas pessoas. Para mim a ideia de que se tem que gastar mais nesta data é hipocrisia e idiotice, pois apenas é uma data comercial que faz com que as pessoas comprem mais”, desabafou José João, operador de máquinas.
O povo angolano enfrenta dias difíceis em meio a uma crise económica severa, recorrendo à informalidade para garantir o seu sustento. Rui Mangovo, especialista em Democracia e Governação, afirma que a raiz do problema reside na má distribuição da renda nacional, exacerbada pela escassez de recursos no Orçamento Geral do Estado de 2025 para o sector social.
Mangovo critica a alocação de uma grande parte do orçamento ao pagamento da dívida pública, prevendo que essa situação não se vai alterar no próximo ano.
“Os preços dos principais produtos estão além do salário mínimo da função pública. A distribuição da renda nacional é bastante deficitária e um pequeno número abocanha tudo. A redistribuição que deveria ser o mecanismo para poder estancar a situação da pobreza, das assimetrias regionais e resolver o problema da fome, vai sendo postergado de Orçamento geral em Orçamento Geral e aquilo que é alocado para o sector social ainda é bastante exíguo para os desafios para este sector”.
Sobre o exercício económico de 2025, Rui Mangovo refere que “a programação primária, o OGE, não vai cobrir as despesas emergências, porque atende primeiramente uma dívida que é ociosa, porquanto não se vislumbrou o que foi o objectivo da dívida. Este é o primeiro falhanço do Governo”, sublinhou.
O especialista alerta que a falha na redistribuição da riqueza impede o combate à pobreza e à fome em Angola, pelo que não se pode confiar a solução para sector social do país apenas ao projecto Kwenda – Programa de transferências sociais monetárias que beneficia mais de um milhão de famílias em situação de pobreza, diz o também docente universitário de defende o sector social como prioridade no exercício económico de 2025 em Angola.
“O orçamento familiar do kwenda são aproximadamente 12 mil kwanzas e é insuficiente. Então, este sector devia ser muito mais focado, merecedor de uma prioridade da parte do Governo, por que uma população com fome e em situação grave de pobreza não tem capacidade cognitiva para contribuir com a sua força física para o desenvolvimento do país”.
Combater a corrupção, promover reformas profundas no sector da justiça e melhorar a abordagem do Governo em relação aos casos levados às barras do tribunal, é fundamental para gerar resultados sociais e económicos que podem contribuir para melhoria da distribuição da riqueza nacional, afirmou o economista e docente universitário Gaspar Fernandes para quem sem reformas profundas nenhuma medida vai produzir mudanças douradoras em 2025.
“A fraca governação, a ausência de um sistema judicial independente e a falta de fiscalização efectiva dos actos de contratos públicos. Temos que assumir que sem reformas profundas nestes pilares, as medidas actuais dificilmente produzirão mudanças duradouras.
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