“Os nossos políticos têm ao longo dos anos tentando vender a imagem de que somos uma democracia”, mas isso não é real.
A afirmação é do jornalista moçambicano Noé Nhantumbo, que acaba de publicar o livro “A democracia adiada”, na cidade da Beira, a segunda mais importante do seu país.
Nhantumbo questiona “como é que numa democracia, os conflitos persistem, as crises persistem e as hostilidades político-militares persistem?”
Para o cenário, ele encontra uma resposta: “Cheguei à conclusão de que vivemos numa democracia adiada”.
...Moçambique passou a ter donos e as leis que foram promulgando estão todas condicionadas aos seus interesses...Noé Nhantumbo
“Estamos reféns de interesses de gente que chegou ao poder dizendo que iria representar o povo, mas essa posição lhes permitiu tornarem-se donos privados de um país (…) Moçambique passou a ter donos e as leis que foram promulgando estão todas condicionadas aos seus interesses,” diz.
O facto de Moçambique, à semelhança da maioria dos países africanos, realizar eleições regulares e ter um Parlamento, não significa necessariamente um grande avanço, diz o jornalista.
“O pluralismo formal é uma realidade em Moçambique, mas de formalidade para a realidade há uma grande distância”.
Fragilidades na oposição
Em entrevista à VOA, Nhantumbo critica a postura da Frelimo, que governa Moçambique, por impor a obediência, em primeiro lugar, do Presidente da República ao partido em detrimento da Constituição.
A demora nas negociações de paz em curso no país é reflexo dessa imposição.
Por outro lado, Nhantumbo denuncia fragilidades no seio da oposição.
“Grande parte de partidos são indigentes, de um só líder e os com alguma musculatura ainda não conseguiram estrutura para fazer com inteligência o combate político,” diz.
A par disso “há partidos que surgem como cogumelos no verão africano, que são como pequenos clubes sem membros e que os activos entram nas eleições, e para eles politica é uma forma de enriquecer”.
Nhantumbo realça que “sempre se mostra necessária uma união, os líderes recusam; estão interessados em ter um pouco mais, terem também uma mansão…do que fazer política em prol do povo”.
O caminho, sugere, passa por “construir entre nós a cultura de servir” e “teremos democracia em Moçambique quando o voto de cada moçambicano tiver valor”.
Cumplicidade de organizações regionais
Para este jornalista, o caso de Moçambique não é isolado, e o alcance de democracia em África torna-se difícil quando organizações regionais apoiam fraudes.
A recente actuação da Comunidade de Económica da Africa Ocidental (Cedeao), que forçou o afastamento de Yahya Jammeh na Gâmbia é para ele uma excepção.
“Se tivesse havido uma Cedeao em Gaberone e não Sadc (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral), a situação do Zimbabwe estaria melhor; Mugabe perdeu as eleições, mas manteve-se no poder com apoio da Sadc,” diz Nhantumbo.
Nesta entrevista, ele sublinha que “a mesma SADC e União africana carimbaram as eleições moçambicanas”. Acompanhe:
Nhantumbo espera colocar o seu livro em Cabo Verde e Portugal.