No Angola Fala Só desta Sexta-feira, 22 de Julho, o activista Domingos da Cruz disse não ver em Angola um regime democrático, mas sim um regime autoritário, em que o poder "é um homem e todos os poderes estão concentrados", nessa mesma pessoa, referindo-se ao Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos.
Domingos da Cruz é um dos 17 activistas acusados de crimes de rebelião e associação de malfeitores contra o Estado angolano, que foi liberto a 29 de Junho de 2016. Para o também jornalista e escritor, a liberdade que lhe foi concedida, bem como aos restantes activistas envolvidos no caso, é "uma liberdade parcial, num quadro meramente político", mantendo assim a sua posição de "não contradição" em relação ao que tem dito ou à forma como tem agido.
"Seria um erro brutal considerar a nossa liberdade no enquadramento jurídico", refere Domingos da Cruz, explicando que o habeas corpus concedido pelo Tribunal Supremo de Angola foi uma vontade e decisão de José Eduardo dos Santos.
O também professor universitário vai mais longe, dando como exemplo o sistema de Apartheid vivido na África do Sul, que condenou Nelson Mandela, para explicar a questão da funcionalidade judicial e a separação de poderes: "O tribunal que condenou Mandela funcionava", refere Cruz.
Sem fatalismos, mas também sem esperança
Questionado por Avelino Agostinho, um ouvinte do Uíge, sobre a possibilidade de mudança de regime em Angola, o activista não hesita quando diz que não vê "variáveis que nos possam ajudar a traduzir uma mudança, devido ao contexto em que nos encontramos e ao grau de letargia", lançando uma crítica à sociedade angolana:
"Os angolanos até agora ainda não perceberam a importância da unidade, preferem agir de forma individual, olhando para interesses exclusivamente pessoais, o que não nos permite alcançar uma unidade colectiva".
Narciso Mário, um internauta que acompanhou o programa pela emissão em directo através do Facebook, pediu a Domingos da Cruz que comentasse sobre os limites da democracia angolana.
Para Domingos da Cruz "é um equívoco chamar Angola de democracia, tanto do ponto de vista teórico quanto prático". "Para ser uma democracia", continua, "teria que ser uma sociedade em que as minorias não abafam as maiorias".
O professor universitário usou como exemplo países africanos que ele considera democracias: ilhas Maurícias, Gana, África do Sul, Namíbia, onde "não se perseguem os opositores pelas suas ideias, onde há alternância de governação".
Domingos da Cruz referiu várias vezes que não é fatalista, mas que não vê esperança em Angola.
Eleições em Angola: "Simulacro para legitimação do regime autoritário"
Sobre a lei da amnistia, recentemente aprovada pela Assembleia Nacional, Domingos classifica de "auto-amnistia", que serve para ilibar pessoas ligadas ao poder de crimes económicos, que para ele já não tinham qualquer punição jurídica anteriormente.
Por outro lado esta lei, diz Cruz, "descomprime a posição do regime em relação à prisão" (dos activistas).
"É uma outra saída que o Presidente angolano encontrou para tentar limpar a imagem do quadro político", acrescentou.
No que toca ao activismo em tempo de eleições, como muitos ouvintes e internautas questionaram, o activista, que está sob termo de identidade e residência, diz que as "eleições nas ditaduras são afirmações da legitimação do tirano".
"O que acontece em Angola não são eleições, temos realizado simulacros eleitorais", reforça.
Sobre as manifestações como forma de mudança do regime actual, Domingos da Cruz, que cumpriu cerca de nove meses de prisão efectiva, além de três meses de prisão domiciliária, é de opinião que devem ser feitas manifestações pacíficas, "mas não nas proporções do que se faz em Angola", dando como referência o Burkina Faso. Contudo, o activista reconhece que isso "pressupõe coragem".
Fazendo várias comparações ao longo da conversa com os ouvintes e internautas, entre Angola e outros países de África, bem como do resto mundo, o activista realçou que apenas em países como Angola ser activista é motivo de destaque internacional, chamando a atenção para a existência de um activismo de facto no país.
No que toca a medos que teve enquanto esteve na prisão, Domingos da Cruz revelou ter medo (ainda, mesmo em liberdade) de ser envenenado, pois segundo explicou os "próprios agentes dentro da cadeia disseram ter ordens para envenenar quem esteja contra o regime".
Domingos da Cruz diz que não pode fazer exames toxicológicos em Angola porque "até os médicos têm um comité de especialidade" no país, o que não lhe inspira qualquer confiança.