As opiniões dos analistas divergem em relação à intenção do Governo angolano de iniciar, até 2027, um novo projeto para diversificar a economia do país e captar mais divisas. O plano envolve a venda de quatro gigawatts de energia elétrica excedente para países vizinhos, como a República Democrática do Congo (RDC), a Zâmbia e a Namíbia.
A venda do excedente de energia elétrica representa um passo significativo para a diversificação da economia angolana, que ainda depende fortemente das receitas do sector petrolífero.
Veja Também Acordo com a China dá a Angola mais de 150 milhões de dólares mensais sem restruturação da dívida, diz Vera DavesO Engenheiro Pedro Januário afirma que esta iniciativa também ajudará a estabilizar as contas externas, reduzir os déficits comerciais e fortalecer as reservas internacionais.
“Temos dívidas com a China, com bancos e instituições internacionais, como o Fundo Monetario Internacional (FMI), além de dívidas internas com o sector privado que o Executivo precisa pagar.
Vendendo o excedente de energia, será possível liquidar estas obrigações”, destacou o engenheiro, que ressaltou que a distribuição de eletricidade em todo o país tem se mantido estável, embora ainda não cubra todo o território nacional.
Veja Também Falta de energia eléctrica no Lubango volta ao debateO desafio, segundo ele, é garantir que o excedente seja aproveitado de maneira eficaz, gerando retornos económicos e sociais para a população.
"A sociedade angolana deve sentir que do excedente de energia que o país tem e vende resulta numa melhoria na sua vida pessoal e nos bens públicos. Se isto não se fizer sentir, então não adianta", rematou.
Projeto de interligação energética
Atualmente, está em andamento um projeto que prevê a construção de uma linha de mais de 1.200 quilómetros, ligando a região do Médio Kwanza ao Cinturão de Cobre, na parte leste da Zâmbia e da RDC, onde há uma grande demanda por energia. O projeto de interligação energética, cuja execução está prevista para dois anos, também inclui a construção das barragens Zenzo-1 (450 MW), Zenzo-2 (120 MW), Túmulo do Caçador (450 MW) e Luíme (330 MW).
De acordo com informações do Ministério da Energia e Águas, essa linha de transporte de eletricidade terá como objetivo fornecer um excedente energético.
O economista Pascoal Guimarães considera prematuro falar sobre a venda de energia elétrica para outros países, apesar dos potenciais ganhos. O analista destaca que Angola ainda enfrenta problemas de cobertura de energia em todo o território nacional. “Discutir a exportação de energia é um otimismo exagerado, pois a carência de eletricidade é grande e ainda não alcançamos 70% da cobertura do território nacional.”
Os três países envolvidos assinaram, a 4 de julho deste ano, em Luanda, um acordo sobre o Projeto de Interligação Regional, visando a partilha do excedente de energia esperado. O Governo de Angola aguarda apenas a aprovação, pela Assembleia Nacional, do diploma que permitirá a venda de energia elétrica aos países vizinhos.
O Ministro da Energia e Água, João Baptista Borges, garantiu em recente entrevista à imprensa que o projeto de interligação da rede elétrica nacional com a Zâmbia, a RDC e a Namíbia, já em preparação, será desenvolvido por iniciativa privada.
Para Pascoal Guimarães, seria irrealista o Governo arcar com todas as despesas desse tipo de projeto, por isso ele sugere a criação de projetos hidroelétricos de exploração conjunta entre Angola e a Namíbia, por exemplo.
Matriz energética e os seus desafios
A matriz elétrica nacional é composta por 59,79% de energia hidroelétrica, 35,74% térmica, 3,81% solar e 0,57% híbrida. Apesar do excedente, a cobertura interna de energia elétrica em Angola ainda é de apenas 43%, com um consumo de dois gigawatts. A taxa de eletrificação aumentou de 36% em 2017 para 43% no primeiro trimestre de 2023, com a meta de alcançar 50% até 2027.
Diante da cobertura ainda insuficiente, Guimarães considera “irracional” partir para a venda do excedente. “É necessário explorar outras formas de gestão da eletricidade excedente”, afirmou. “Estamos muito abaixo do desejado. Para mim, parece uma megalomania falar em exportar energia para benefício económico, social e financeiro do país.”
O sucesso desse projeto dependerá da gestão eficiente das infraestruturas, da colaboração estreita com parceiros internacionais e da organização interna do Governo angolano.
Pedro Januário alertou para a necessidade de cautela diante das ameaças externas, como o conflito na RDC. O analista olha para a iniciativa como uma decisão positiva, ressaltando que “um país não pode viver apenas de uma única fonte de receita. Se o petróleo acabar, isso poderá levar o país ao colapso e o povo sofrerá. Portanto, é crucial que Angola encontre outras formas de desenvolver a sua economia, e a energia é um aspeto positivo.”
Organização, controlo e fiscalização são necessários
A “organização, controlo e fiscalização” são essenciais para que a venda do excedente de energia elétrica tenha reflexos no bem-estar e na melhoria das condições sociais e económicas da população angolana. Para o engenheiro e docente, Pedro Januário, a população enfrenta dificuldades, e muitos vivem em condições precárias. “É necessário que Angola se organize, tenha controlo e fiscalização para que essa venda realmente traga frutos. Caso contrário, o povo e a sociedade não se beneficiarão.”
O analista, apelou para que o projeto seja desenvolvido em benefício comum e não apenas para favorecer interesses individuais. “Há pessoas que buscam comida no lixo e contentores porque o país não tem recursos, então é preciso encontrar mecanismos rápidos para diversificar a economia angolana, para que as pessoas tenham uma vida digna.”
Atualmente, Angola produz 3.547 megawatts na região do Médio Kwanza, onde estão localizadas as barragens de Capanda (520 MW), Laúca (2.067 MW) e Cambambe (960 MW), com uma capacidade instalada de sete mil MW, prevista para aumentar para nove mil MW até 2027 com a construção da barragem de Caculo Cabaça, de 2.100 MW.
Para o economista Pascoal Guimarães, o foco principal do país deve ser a potencialização do território nacional.
As indústrias angolanas precisam deixar de depender do gasóleo, que possui custos elevados. “O gasóleo é muito caro para operar uma indústria. A energia hídrica é mais barata. Se pudermos expandir a eletricidade de fonte hídrica para alimentar a indústria nacional, isso vai contribuir para a redução dos custos e, consequentemente, dos preços praticados no mercado, beneficiando as famílias.”
Financiamento de projetos
O Banco Africano para o Desenvolvimento financiou 17 mil milhões de dólares a Angola para a execução de vários projetos, incluindo a construção de uma rede de transporte de energia elétrica entre as províncias do Huambo e da Huíla, que vai permitir a instalação de cerca de 1,3 milhões de contadores pré-pagos pela ENDE - Empresa Nacional de Distribuição de Eletricidade, visando reduzir as perdas comerciais e aumentar a arrecadação de receitas.