A 1a secção do Tribunal da cidade de Chimoio, na província moçambicana de Manica iniciou esta terça-feira, 29, o julgamento de um processo-crime sumário contra a jornalista da estação publica Rádio Moçambique, Raquel Jorge, seus dois filhos e um neto, de 4 anos, por crime de calúnia e difamação contra o Estado moçambicano.
Os crimes, arrolados pela Procuradoria Provincial de Manica, resultam do facto da jornalista ter aparecido num vídeo encenando a corrupção feita pela Polícia de Trânsito nas ruas do país, situação que o Ministério Público interpreta como “vulgarização” dos agentes reguladores de trânsito, e “ofensa e banalização” ao Estado moçambicano.
No vídeo, posto a circular nas redes sociais e na página do neto no Youtube, aparece um menor “sentado” ao volante, encenando uma condução, quando outros dois (incluindo o neto da jornalista), interpretando o papel de agentes de trânsito, interpelam o condutor e pedem dois super shake (iogurte) como condição para anular uma multa de 50 mil meticais (USD 790) por múltiplas infracçōes da viatura.
Após duas horas de sessão, o Tribunal interrompeu a audiência para criar condições de projeção do vídeo na sua sala de sessões, mas também para se encontrar um perito em imagens para conferir se o menor estava realmente a conduzir numa via pública.
A sessão foi remarcada para 27 de Dezembro.
À saída do julgamento, a jornalista, que tem a guarda do menor e o advogado de defesa da família declinaram-se a comentar a sessão que teve uma larga cobertura da imprensa local e internacional.
Entretanto, o jornalista e Secretario Provincial do Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ) em Manica, Victor Machirica, considerou “inédito e absurdo”, o processo-crime contra a jornalista e sua família, por o neto ter encenado no vídeo, o que o fez à luz da liberdade de expressão, consagrado na Constituição da República moçambicana.
“Foi com grande surpresa que tomamos conhecimento de um caso inédito em que uma criança chamada Valter Danone é processada por fazer um vídeo encenando a corrupção da Polícia de Trânsito na estrada”, arrolando toda a sua família no caso, disse Victor Machirica.
Inicialmente, segundo Victor Machirica, a jornalista e os seus filhos eram acusados de, na produção do vídeo, terem explorado a criança e a terem colocado em perigo ao “conduzir” o veículo, mas também de terem ofendido as instituições do estado pela encenação, o que sugere ser uma “aberração” do Ministério Público.
“O vídeo não ofende nenhuma lei em Moçambique” sublinhou Victor Machirica, salientando que pelo contrário “potencia a criatividade artística, muito incentivada para o desenvolvimento da indústria criativa”.
“Estamos muito espantados pela atenção da Procuradoria, não estamos a acreditar que o processo tenha sido levantado por um jurista profissional”, frisou Victor Machirica, realçando a solidariedade do sindicato com a jornalista acusada.
O neto da jornalista tem uma página no Youtube, com dezenas de vídeos publicados, onde aborda vários temas sociais.