Cabo Delgado em 2023: Da melhoria de segurança a apelos à assistência humanitária

Estrada de Mocímboa da Praia a ser patrulhada, Cabo Delgado, Moçambique

Num cenário marcado pela incerteza e precariedade, mais de 600 mil pessoas continuam a viver na condição de deslocadas, enquanto 540 mil voltaram às zonas de origem.

Os ataques terroristas em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, entraram em 2023 para o sexto ano consecutivo, com relatórios de várias organizações humanitárias e investigadores a considerarem a situação de segurança ainda instável apesar de ter melhorado o acesso às zonas do conflito.

O ano que agora termina foi marcado pela desativação dos "cérebros" da insurgência e a consolidação do retorno da população deslocada as zonas de origem, que continuam sem serviços mínimos e com o desafio de assistência humanitária.

Segurança

O ano arrancou com a operação Vulcão IV, conduzida pelas Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), com o apoio do Ruanda e dos militares da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) que devolveu a segurança no triângulo Macomia, Mocímboa da Praia e Palma.

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Meio milhão de crianças em situação vulnerável em Cabo Delgado

Esta operação permitiu desativar as maiores bases que alojavam os líderes da insurgência e tirar de combate os principais líderes espirituais dos terroristas, incluindo o moçambicano Bin Omar e o tanzaniano Abdul Nihaze, que operavam na região de Nangade.

Ataques esporádicos de retaliação dos rebeldes desde meados do ano reativaram a instabilidade.

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“Ao longo do ano de 2023 consolidou-se a segurança em torno do grande perímetro de Afungi, epicentro de um dos maiores projectos económicos da região. Não obstante a fragilização do grupo rebelde, grupos armados continuam a circular a Sul de Mocímboa da Praia, mantendo a pressão sobre o projecto de Afungi, enquanto ameaçam a circulação rodoviária Norte-Sul na província, desestabilizando populações regressadas”, diz o investigador João Feijó, em declarações à Voz da América.

O Parlamento ponderou iniciar um debate sobre um orçamento especial para Cabo Delgado face aos desafios de segurança na província, na medida em que há mais população a regressar às aldeias de origem.

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Em 2023, o Governo formalizou, através de um decreto, a atuação dos grupos de “milicianos” designados por Força Local (mobilizados em 2020) como reforço dos mecanismos institucionais no combate ao terrorismo em Cabo Delgado, apesar do seu estatuto e atuação continuar a dividir a opinião pública.

O ano de 2023 igualmente é marcado pela aprovação pelo Conselho de Ministros, a 19 de Dezembro, da estratégia nacional de combate ao terrorismo para os próximos seis anos, além do relatório de avaliação nacional dos riscos do financiamento do terrorismo.

Deslocados

Num cenário marcado pela incerteza e precariedade, mais de 600 mil pessoas continuam a viver na condição de deslocadas, incluindo abrigos e bairros de reassentamento, enquanto 540 mil voltaram às zonas de origem depois de serem forçadas a deslocar-se várias vezes ao longo dos últimos anos.

A organização humanitária Save The Children revelou que meio milhão de crianças estão em situação vulnerável em Cabo Delgado.

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O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi estimou, no seu informe anual sobre o estado da nação, que 75 por cento da população deslocada nos distritos a norte de Cabo Delgado tinha regressado.

Ajuda humanitária

Entretanto, no seu recente relatório: “Cabo Delgado: A situação de segurança continua volátil e persistem necessidades humanitárias urgentes”, a organização humanitária Médicos Sem Fronteira (MSF) em Moçambique, alertou que “a situação de segurança continua volátil em alguns distritos de Cabo Delgado e, desde setembro, houve múltiplos ataques que levaram à deslocação forçada de milhares de pessoas nos distritos de Macomia, Mocímboa da Praia e Muidumbe”.

O relatório acrescentou que “algumas áreas destes distritos continuam sem receber qualquer apoio nos últimos anos, uma vez que o acesso permanece um desafio devido à insegurança”.

A maioria das pessoas continua a enfrentar grandes desafios no acesso à alimentação, água potável, abrigo e serviços básicos, incluindo cuidados de saúde.

Em Macomia e Mocímboa da Praia, dos 14 centros de saúde que existiam antes do conflito, apenas cinco estão a funcionar, sendo um em Macomia e quatro em Mocímboa.

Para quem vive da dependência humanitária este foi o ano mais difícil na ajuda, que começou a ser seletiva desde o início do ano, quando milhares de deslocados dependiam de papas feitas à base de mangas verdes e sopas de folhas de mandioca piladas.

“Este ano vivemos a pior situação de fome. Tem famílias que ficaram várias semanas a comer matapa (sopa de folhas piladas)”, contou à Voz da América, Eliseu Adriano, um deslocado no campo de Metuge, encostado à capital, Pemba.

O escritório do Programa Mundial para Alimentação (PMA), em Cabo Delgado, anunciou este ano um corte de assistência de 600 para 400 mil deslocados de terrorismo por falta de fundos daquela agência das Nações Unidas para cobrir as necessidades humanitárias naquela região.

O corte também foi provocado pelo aumento da situação humanitária decorrente das guerras à escala global, como a Ucrânia-Rússia e Israel-Hamas.

Em conversa com a Voz da América, o ativista humanitário Manuel Nota descreveu 2023 como o ano difícil para a assistência humanitária e disse ser crucial aumentar a assistência humanitária para dar resposta às necessidades urgentes de milhares de famílias que continuam a ser afetadas pelo conflito em Cabo Delgado.

“O corte da ajuda humanitária pelo PMA marcou muitos os deslocados. Foi um ano difícil”, acrescentou Nota, igualmente coordenador da Cáritas em Cabo Delgado.

O pesquisador do Observatório do Meio Rural (OMR), que estuda o conflito em Cabo Delgado, observa que os números de deslocados internos estão inflacionados e que a ajuda apenas chega a 28 por cento daqueles que precisam, agravado pela situação de insegurança nos campos de cultivo.

Este ano igualmente os insurgentes iniciaram uma intensa atividade de “conquistas de mentes e corações”, e o analista político Tobias Zacarias alertou que a atividade pode reanimar a popularidade dos rebeldes que tendem a diabolizar as FDSM.

Desde 2017, os ataques terroristas provocaram a morte de cerca de quatro mil pessoas e a fuga de mais de um milhão, segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que, no entanto, assegura o regresso de mais da metade dos deslocados às suas áreas de residência