Afeganistão continua na incerteza, dez anos depois da invasão

O dilema dos Estados Unidos é partir do Afeganistão e abrir o caminho para o regresso ao poder dos Talibãs

Ressurgimento dos Talibãs nos ultimos meses está a pôr em causa o plano de retirada militar completa, previsto para 2014

Depois de 10 anos de presença militar no Afeganistão, os Estados Unidos estão a prever a retirada completa das suas tropas o mais tardar até finais de 2014.

Contudo existem preocupações acerca se como a estratégia americana no Afeganistão está a ser aplicada e como a retirada militar vai afectar tanto o Afeganistão como toda a região.

Novos receios estão a ser levantados sobre um possível recomeço da guerra civil no Afeganistão na altura em que os Estados Unidos da América e seus aliados estão a prever dar o início a retirada das suas tropas dentro de 3 anos.

Analistas apontam o aumento dos ataques sangrentos dos Talibãs nas zonas urbanas e os assassinatos selectivos de notáveis figuras como a recente morte do antigo presidente afegão Burhanuddin Rabbani, como algumas provas desta guerra.

Larry Goodson professor na universidade militar de guerra americana, diz que a falta de uma solução clara da guerra alimenta o sentimento do retorno do caos sangrento que marcou o Afeganistão durante a década de 1990.

“Eu tenho receio que uma guerra civil está p’ra vir. Tenho ouvido os afegãos dizerem, “não, isso não vai acontecer porque estamos cansados de guerra”. E temo que esse cansaço de guerra ainda nos apanhe lá. Mas o meu maior receio é o facto de não termos visto uma guerra decisiva no Afeganistão. Não temos visto a derrota dos Talibãs por exemplo, ou a derrota do actual regime e o regresso dos Talibãs ao poder.”

Numa recente audiência no Congresso o então Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, o Almirante Mike Mullen também alertou para a possibilidade da guerra civil se o governo do presidente Hamid Karzai não combater agressivamente a crescente corrupção no seu seio.

“Se continuarmos a reduzir as forças enquanto esta corrupção publica e sistemática continuar intacta, penso que corremos o risco de deixar para atrás um governo afegão com o qual não podemos contar razoavelmente como de confiança. No melhor dos casos, isso poderia conduzir a conflitos localizados dentro do país, ou na pior das hipóteses, conduzir ao colapso do governo e à uma guerra civil.”

A política americana de contenção da insurreição no Afeganistão tem por finalidade degradar as capacidades dos Talibãs ao ponto de lhes forçar a negociações, isso enquanto se vai criando capacidades dentro do governo central para garantir a sua própria segurança através de treinos das forças armadas e policiais.

No centro desta estratégia está a criação de espaço para a reconciliação entre o governo e pelo menos alguns líderes Talibãs. Mas a recente onda de ataques tem provado que muitos dos Talibãs não estão interessados nessas conversações de paz. Após o assassinato do antigo presidente Rabbani, que presidia o Alto Conselho de Paz, o próprio presidente Karzai encolheu os braços e afirmou que jamais iria à mesa negociações com os Talibãs.

Contudo Francesc Vendrell, antigo Representante da União Europeia no Afeganistão considera que a reconciliação de momento não está morta, mas sim no estado de coma. Vendrell reconhece no fundo que o assassínio de Rabbani aprofundou as quezilas étnicas e regionais que tornaram ainda mais difíceis a reconciliação.

“Como a situação é apresentada actualmente, e se ela continuar como nos últimos três anos, são muito elevadas as chances de uma guerra civil, porque entre outras questões a morte de Rabbani apenas confirmou na maneira de ver da população do Norte – quer gostem ou não de Rabbani – que os Talibãs estão contra eles, e por isso vai reforçar a oposição a ideia de um compromisso com os Talibãs.”

Francesc Vendrell diz que não seria surpresa para ninguém que os Talibãs estão a espera da retirada americana para avançarem e reassumir o poder.

Os responsáveis americanos continuam no entanto a afirmar publicamente que a situação do Afeganistão está a seu favor. Numa recente audiência no Congresso o Secretário da Defesa Leon Panetta desvalorizou os últimos ataques dos Talibãs, incluindo aquele contra a embaixada americana na capital Cabul.