Todos os anos centenas de jovens saem de Angola em busca do sonho de ter uma educação de qualidade que lhes proporcione no futuro uma condição melhor de vida. Alguns tem o privilégio de ter uma bolsa de estudos do INAGBE (Instituto Nacional de Gestão de Bolsas) outros não. De qualquer maneira, a aventura deles é marcada por desafios.
Mateus Esteita, engenheiro em tecnologia química de combustíveis e materiais de carbono, foi bolseiro do INAGBE e voltou a Angola em 2018, após ter concluído o seu mestrado em segurança de processos na indústria petrolífera pela Universidade Estatal Técnica de Petróleo de Ufa, Rússia. Em entrevista à Voz da América, falou sobre a segunda edição do livro "O Bolseiro: a vida de um sonhador," lançado pela editora Acácias; as viagens que tem feito para inspirar outros jovens; as falhas na falta de acompanhamento dos quadros após a formação e a geração de empregos no país.
"As pessoas que tem lido o livro tem se identificado com as histórias, com os problemas que os estudantes enfrentaram ou continuam a enfrentar na diáspora e com a resiliência dos estudantes".
Mateus também contou que os leitores ficam surpresos ao descobrirem que já havia um sistema de bolsa de estudos no Reino do Congo e que Angola já forma quadros há muitos anos.
Embora o livro tenha sido lançado sem nenhum patrocínio, não impediu que Mateus encontrasse formas de viajar por Angola a fim de inspirar outros jovens e de conseguir vender o "O Bolseiro". Ele visitou três províncias e já recebeu vários convites de universidades nas províncias da Huíla e Benguela.
Mateus tem como o seu principal objectivo ajudar outros angolanos a conquistarem uma bolsa de estudos, quer seja ela interna ou externa.
"Quero trazer informações, mais conteúdo. Quero que eles percebam que a bolsa de estudos não é um bicho de sete cabeças. Quero que saibam que é um processo inclusivo, e que todo mundo que cumpre os requesitos pode candidater-se e sonhar em conseguir essa bolsa".
A pergunta que o engenheiro mais recebe nos encontros com os jovens é se ele é valorizado em Angola. "A valorização é muito subjectiva. Eu não escrevi um livro para ter rendimentos financeiros, mas sim para motivar novas gerações."
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Investimento em Bolsas de Estudos e o Acompanhamento Pós-formação
Recentemente Mateus Esteita escreveu um artigo para a revista Forbes de Angola, que afirmava que o Estado angolano gastava mais de 46 milhões de dólares por ano com os jovens que estão a estudar em Cuba. Acredita-se que os gastos com os estudantes na Rússia sejam ainda maiores.
Para o antigo bolseiro, a quantia gasta para formar quadros é aceitável porque educação de qualidade custa caro e exige investimentos sérios. Porém um factor tão importante quanto o investimento na educação de qualidade é o acompanhamento pós-formação.
"Era necessário o Estado ter políticas concretas. Existem políticas, mas são subjectivas e muito genéricas. Tem de haver políticas concretas de absorção destes quadros. Colocá-los num sistema para depois servir o país. O que acontece é o seguinte: muitos quadros são formados lá fora, por exemplo médicos. Eles chegam em Angola e ainda encontram um processo muito burocrático e não inclusivo para a sua inserção na função pública, a fim de poderem servir o nosso sistema de saúde, que é precário e ainda carece de quadros".
Mateus explicou que o mesmo acontece com os recém-formados em engenharia. "Temos estudantes formados em engenharia de petróleo que hoje estão a servir o Ministério da Defesa, do Interior, são polícias. Isso é um disperdício de valor e de quadro."
A sugestão oferecida por Mateus, bolseiros, antigos bolseiros e quadros angolanos é de que se crie um gabinete de acompanhamento e inserção com a informação dos quadros formados em Angola e no exterior.
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Geração de Empregos e a Angolanização
O Presidente João Lourenço prometeu durante a sua campanha eleitoral criar 500 mil empregos em Angola até o final da primeira legislatura. Segundo Mateus Esteita, os planos para solucionar os problemas de Angola são sempre bons, mas o fracasso está na execução. "Não basta termos planos e quando chega a parte de executar colocarmos pessoas erradas".
O engenheiro dá o benefício dá dúvida a esse plano e a gestão do Presidente. "Ele está fazendo esforço para melhorar a situação do país, combater a corrupção, criar um ambiente de negócios atrativos, menos burocrático.
Mateus só acredita que irá haver geração de empregos no país se houver investimento público ou privado e com um clima favorável aos negócios, com uma banca transparente e sustentável.
"É muito importante nessas indas e vindas do Presidente para atrair investimentos que se salvaguarde a angolanização em todos os sectores. Que se valorize os quadros angolanos. Podemos trazer quadros expatriados porque é muito bom para a troca de experiência, e porque nenhum país se desenvolveu com os seus quadros locais, mas eles devem ser transmissores de conhecimento. Devem ter também a misssão de formar angolanos, e que na ausência de expatriados, esses angolanos possam trabalhar com a mesma qualidade de um expatriado. É importante que se invista no capital humano angolano".
Mateus acredita que a falta de valorização do angolano deve-se ao facto de que se ouviu durante muito tempo que os angolanos não são capazes, e que o país não tem quadros disponíveis para responder à demanda, mas isso não é verdade. Para o engenheiro existem muitos angolanos a se formarem nas universidades onde esses expatriados se formaram, e que podem até ser melhores.
"O problema é que não existe leis que promovam o angolano. Devemos ser sinceros. O angolano além de ser patriota tem que ter compromisso com a causa. Tem muitos que quando são colocados em posições de decisão acabam por criar bloqueios para o próprio angolano. Às vezes é mais fácil trabalhar com um expatriado do que com um angolano. Mas é importante que o próprio angolano abrace a causa, seja patriota e pense em deixar um legado que vai valher a pena".
O autor de "O Bolseiro" deixa bem claro que não é contra expatriados, mas pede que haja uma valorização urgente do conhecimento dos angolanos, porque segundo ele já há muita gente capaz e competente que pode fazer muita coisa pelo país.
"Precisamos de patriotismo e comprometimento com a causa".
Embora Angola seja um país com solo fértil, com petróleo e diamantes, e tenha uma rica fauna e flora, o país gasta milhões de dólares todos os meses importando os mais variados produtos. No entanto, Mateus acredita que este cenário pode mudar caso haja uma gestão inclusiva, transparente, com investimento público, privado, estrangeiro e nacional.
"É necessário que a gente haja e trabalhe com responsabilidade e que a gente pare de choramingar pelos cantos sobre o passado. É o momento da gente se unir, juventude, antiga e nova geração. Juntos e unidos para podermos fazer Angola igual para todo mundo.
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Será que o Presidente João Lourenço já leu "O Bolseiro"?
Mateus Esteita ainda não teve a oportunidade de entregar o livro pessoalmente ao Presidente, mas em uma visita que João Lourenço fez no ano passado à Rússia, um colega de Mateus conseguiu com que o livro fosse entregue ao pessoal de apoio do Presidente.
No entanto, o autor continua ainda na expectativa para saber se o Presidente recebeu o livro ou não. Ele gostaria de poder trocar algumas ideias, partilhar alguns projetos.
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"Tem sido muito difícil ter esse acesso. Espero que com essa entrevista eu tenha contacto ou possa fazer o livro chegar ao Presidente, ao Vice-Presidente da República, e as outras entidades que a gente tem feito contactos.
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