Angola é um país fértil em fenómenos naturais que devastam milhares de campos de cultivo, com a seca e o excesso de chuvas na ordem do dia, mas continua a aprovar projetos sem um seguro agrícola, dizem produtores nacionais preocupados com o cenário de fome.
O tema, debatido recentemente em Benguela, pouco depois da aprovação do Programa de Aceleração da Agricultura, divide homens do campo e a banca comercial.
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Números oficiais indicam que o país perde, sobretudo nas zonas rurais, acima de 40 por cento do que produz.
Esta realidade é reflexo do mau estado das estradas e limitações nas trocas comerciais campo/cidade, mas há também desperdício de alimentos devido a fenómenos naturais.
O produtor Manuel Jordão, líder de uma cooperativa com dezenas de associados, lembra que viu fugir um investimento de 100 milhões de kwanzas em cebola e tomate e reforça que os bancos devem implementar políticas de seguro agrícola em Angola.
“O banco não quer saber se perdemos ou não perdemos, nem se calhar aceita negociar. Não tem tido cuidado de buscar as seguradoras, elas devem estar presentes, isto porque estão aí as calamidades naturais, dão cabo de tudo, como deram”, assinala Jordão, acrescentando que “ficámos sem nada mas temos de fazer a devolução do empréstimo, por isso falta assegurar, o céu não nos devolve o que perdemos”.
No relatório em que alerta para uma situação pior em termos de insegurança alimentar aguda neste ano, podendo afetar 1,5 milhões de pessoas (5% da população), as Nações Unidas e a União Europeia falam mesmo em consequência da fraca precipitação na campanha 2023/24, principalmente no Sul, e inexistência de reserva alimenta.
O bancário José Cambamba, diretor adjunto do agronegócio do Banco de Fomento Angola, que está a apresentar o seu crédito de campanha, salienta que o mercado angolano ainda não oferece os serviços solicitados pelo produtor do município da Ganda, província de Benguela.
“Consultámos o mercado, nos dois últimos anos, e na altura nenhuma seguradora possuía este serviço. A resposta foi negativa, só existem os seguros tradicionais, para máquinas e infra-estrutura, mas para a produção … nada. Certo é que procurámos”, refere.
Há duas semanas, o Governo angolano aprovou o Programa de Aceleração da Agricultura Familiar, avaliado em mais de 85 mil milhões de kwanzas (cerca de 100 milhões de dólares), que prevê ações não executadas em programas anteriores.
Daí as observações críticas de especialistas que sugerem prestação de contas e ampla avaliação de todos os projectos.
O bancário Jardel Duarte, administrador do Banco de Comércio e Indústria (BCI), que até conta com a parceria de uma seguradora, ressalta que a agricultura continua a ser um risco sem trabalho de casa. Ele assinala que não basta aumentar o número de programas
“Às vezes, o crédito que alguém deseja é para iniciar um pequeno projecto, e esse mesmo projecto pode trazer alguns bons resultados, dar algum emprego, é isso que queremos”, avança aquele gestor.
“Há aqui um risco, são tantos programas lançados que as pessoas ficam a fazer confusão, as pessoas não sabem onde vão direccionar. Nós queremos é que no agronegócio vamos ter forte componente de apoio à agricultura familiar”, conclui Duar.
Numa mensagem dirigida recentemente à administradora da Agência dos Estados Unidos para a Cooperação Internacional (USAID), que está a apoiar a luta pela segurança alimentar em Angola, o ministro da Agricultura, António Francisco de Assis, afirmou que os problemas do momento residem no conhecimento, logística e mercado.
A agricultura familiar fornece mais de 90 por cento dos alimentos produzidos no país, segundo dados oficiais.