O escândalo dos “Panama Papers” está a revelar mais pormenores sobre a rede financeira de dirigentes angolanos, incluindo ligações suspeitas do Fundo Soberano de Angola, presidido pelo filho do Presidente José Eduardo dos Santos, José Filomeno “Zenu” dos Santos.
Um enteado do vice-presidente Manuel Vicente aparece também como figura proeminente em investimentos em diversas companhias no estrangeiro.
Um artigo publicado no jornal sul-africano City Press, com a assinatura da jornalista Khadija Sharife, alega que o enteado de Vicente, Mirco Martins, pode ser a "testa-de-ferro" atrás do qual se escondem investimentos de políticos angolanos.
As revelações foram feitas a 3 de Abril pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigatidores (International Consortium of Investigative Journalists - ICIJ), com dezenas de jornais em todo o mundo.
Embora o Banco Kwanza diga não ter ligações formais com a Quantum, o artigo que temos vindo a citar diz que a sua página na internet foi registada pela Quantum.
A instituição financeira recusou-se a comentar alegando razões de confidencialidade.
A jornalista Khadija Sharife escreve ainda que o Fundo Soberano fez também um investimento num banco na Rússia, Center-Invest, canalizado através da companhia Refin nas Ilhas Virgens britânicas.
Na extensa reportagem, os investigadores afirmam existir uma relação secreta entre o Fundo Soberano de Angola, a companhia financeira Quantum, sediada na Suíça, e o Banco Kwanza, um banco de investimentos anteriormente conhecido por Banco Quantum.
Todas as três entidades foram propriedade ou administradas, a certo passo, pelo mesmo grupo de pessoas, incluindo José Filomeno dos Santos, o presidente da Quantum e proprietário de 75 por cento do Banco Kwanza Jean-Claude Bastos de Morais e um antigo director da Quantum, Marcel Kruse, bem como Ernest Welteke, membro da direcção do Quantum e do banco Kwanza.
Kruse e de Morais foram condenados na Suíça por “repetida má administração criminosa”.
Há uma década, Welteke foi obrigado a demitir-se do Bundesbank (o banco central alemão) na sequência de um escândalo que envolveu despesas privadas repassadas ao banco.
Aquelas organizações de jornalistas alegam que dinheiros do Fundo Soberano de Angola foram lavados através do Banco Kwanza para recipientes desconhecidos, incluindo a Kijinga, uma entidade que recebeu cerca de 100 milhões de dólares numa única transacção em 2015.
A transferência foi revelada pelo blogue do jornalista e activista Rafael Marques, Maka Angola, em 2015, o que parece ter atrasado a publicação do relatório anual do Banco Kwanza, diz o artigo.
O Fundo Soberano de Angola nega alegações de ter efectuado qualquer transacção ilegal.
"Zenu" dos Santos, diz o artigo, recusou-se a responder às razões porque os investimentos do Fundo não foram publicados com os valores, companhias e jurisdições e não clarificou como é que a Quantum foi selecionada para administrar três mil milhões de dólares da instituição ou sobre o seu papel especifico.
Vários fundos, incluindo um de 250 milhões de dólares, foram investidos no Banco Kwanza.
A Refin é propietaria da Rekha Honding, sediada em Chipre, que, por seu turno, controla 7,5 por cento da Center- Invest.
Desconhecem-se os proprietários da Rekha.
Teia complicada de empresas
Os "Panama Papers" revelam, de acordo com as investigações, uma teia de companhias de fachada sediadas em várias partes do mundo com contas bancárias espalhadas também por países nas Caraíbas, Medio Oriente e Europa.
O artigo diz que muitas vezes políticos não usam os seus próprios nomes e a teia é de tal modo intensa, com companhias a mudarem de nome de um dia para o outro, que torna difícil seguir as suas pistas.
As acções são muitas vezes escondidas atrás de pessoas designadas para tal ou companhias de fachada administradas por várias pessoas.
Mirco Martins, enteado do antigo director da Sonangol e actual vice-presidente angolano, por exemplo, aparece ligado a várias companhias e, segundo o artigo, pode ser o homem por detrás de quem se escondem investimentos de figuras políticas angolanas
A Agência de Investigação Financeira das Ilhas Virgens já enviou várias cartas a pedir esclarecimentos sobre entidades em que Mirco Martins aparece como o proprietário.
Muitas dessas companhias desaparecem rapidamente e existem apenas para esconder a presença de contas bancárias ou acções noutras companhias.
Os dados revelados da empresa de advogados com sede no Panamá Mossack Fonseca indicam não existir quaisquer dados de muitas companhias identificadas como pertencendo a Martins, incluindo Shaman, Rolika, Heli-Vest e Halifax.
A empresa de advogados foi obrigada a requerer a ajuda de outras empresas que também foram companhias de fachada, como a Interfina e Philip Toussaint of W-Conseil
Numa carta à Mossak Fonseca, Martins disse ter estado envolvido no lado financeiro de entidades como o Banco Kwanza, mas que a tinha deixado por apreensões sobre a administração da companhia.
Ele confirmou que deteve mas vendeu acções na Sakus, uma companhia de fachada que possuia 3,6 por cento de acções no Banco Africano de Investimentos de Angola.
A estrutura desse banco foi investigada pelo Senado americano que descobriu que mais de 40 por cento das acções pertenciam a pessoas com ligações políticas, incluindo Manuel Vicente, que possuía 5 por cento de uma companhia de fachada com o nome de ABL.
Outro documento sobre a rede de companhias ligadas a Mirco Martins identificou mais de 15 entidades administradas pela Interfinam, das quais 10 existiam simplesmente para terem contas bancárias no Líbano, Portugal, Gibraltar e Suíça.
Cerca de outras cinco empresas tinham acções em companhias portuguesas e duas estavam ligadas à aviação.
Algumas de companhias de fachada mudam de nome muito rapidamente, dizem os investigadores.
Por exemplo, a Farvel, que tinha uma conta bancária no Líbano, mudou de nome para Capital & Legacy Consultancy, sediada nas Ilhas Virgens britânicas, que declarou como fonte de rendimentos contratos relacionados com negócios em Angola.
Os documentos da Mossak Fosenca tornados públicos revelam que a companhia financeira KPMG aconselhou a empresa a transferir diversas companhias das ilhas britânicas para o Liechtenstein.
Um e-mail da Mossack Fonseca indica que “há políticos envolvidos nesta estrutura e o nosso contacto na KPMG informou-nos que seria melhor deixar essas companhias devido aos riscos a elas associados ”.