Participar em manifestações de contestação política virou, nos últimos tempos, equivalente a uma entrada a um corredor de morte, queixam-se cidadãos moçambicanos.
Desde Outubro do ano passado, em todo o país, multiplicam-se histórias de fatalidades resultantes de baleamento no meio de manifestações, que iniciaram após a oposição ter afirmado que as eleições presidenciais foram fraudulentas.
António Ussaca, jovem residente no bairro de Inhagoia, um dos subúrbios da cidade de Maputo, viu, recentemente, um amigo morrer ao seu lado.
“A manifestação estava a correr de forma pacífica, até chegar a polícia da Unidade de Intervenção Rápida. Tentamos fugir por um beco e, de repente, fomos apontados por uma AKM que acabou atingindo mortalmente um dos nossos amigos”, conta o jovem à VOA.
De Fevereiro a esta parte, houve uma redução de manifestações pós-eleitorais, comparativamente ao mês de Dezembro, por exemplo, mas ainda assim, dos poucos casos que acontecem, há sempre vítimas. Aos olhos da população, a culpa tem sempre a cara da polícia.
A plataforma Decide, que monitora a resposta das autoridades nas manifestações, revela que só neste mês de Março, pelo menos, 16 pessoas foram baleadas, na cidade de Maputo, o que considera uma resposta desproporcional da Polícia da República de Moçambique.
Esta desproporcionalidade policial é criticada por quase todos os sectores da sociedade, até mesmo dentro do próprio Governo, como expressou, nesta semana, o Ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Mateus Saize .
“Não é normal que se usem balas verdadeiras (em manifestações). Há outros meios, como balas de borracha, gás lacrimogénio, para a dispersão das massas, então, o Governo está a criar essas condições para que, havendo situações de tumultos, a polícia possa usar esses meios”, disse o ministro.
Falta de perícia
Numa altura em que a lei da bala letal é a que prevalece na resposta às manifestações, algumas correntes dizem que há “ordens superiores” para que assim seja, mas outros, apontam apenas o despreparo policial, como a causa.
A Reportagem da VOA em Maputo conversou com o Capitão-tenente na reserva, Abdul Machava, que, por um lado, aponta a continuidade de uma ligação umbilical entre oficiais superiores da polícia e o partido no poder, como um dos factores que dificultam a sua transformação em entidade despartidarizada com uma atuação republicana.
“As razões das chamadas ‘ordens superiores’ vêm da subserviência das forças policiais ao poder político e não ao Estado”, explica este oficial na reserva, apontando também, o défice de formação em direitos humanos, a falta de perícia e de meios adequados como outras razões.
Machava acrescenta que “no domínio da competência, temos também, a fraca qualidade de formação”, e após isso “levam 10 a 15 anos sem ir à carreira de tiro - isso significa que, a pessoa, no dia em que estiver numa situação em que pode usar a arma de fogo, não tem perícia absolutamente nenhuma”.
A Polícia da República não respondeu ao nosso pedido de comentário.
Fórum