Moçambique continua longe de eliminar as doenças tropicais negligenciadas até 2030, como foi definido em 2015 como meta pelo Governo, uma vez que o problema de saúde pública segue a ser desafiado pela pobreza, aspetos culturais e acesso limitado aos serviços de saúde.
Esta posição foi defendida por pacientes e ativistas de saúde em declarações à Voz da América no âmbito da celebração nesta quinta-feira, 30 de Janeiro, do Dia Mundial de Luta Contra as Doenças Tropicais Negligenciadas, que, no caso de Moçambique, são sarna, tinha, afilaríase linfática e lepra, além da tungiase (conhecido por matequenha).
Maria Ricardo, de 49 anos, moradora do distrito de Tambara, na província de Manica, recorreu por vários anos a tratamento tradicional para curar uma filaríase linfática (elefantíase), por acreditar que se tratava de uma feitiçaria.
A crença lhe custou uma incapacidade crónica, causada pela doença, que começou a se tornar comum na sua família, antes do diagnóstico e cura no hospital local.
“Agora já não é preciso recorrer a tratamento tradicional, que nunca resultava, mas também porque não havia medicamentos. Agora a medicina convencional já pode tratar. Os enfermeiros prescrevem tratamento para uma semana ou 30 dias dependendo de cada situação”, explica Maria Ricardo, que lembra a necessidade do reforço de higiene pessoal, num ambiente com falta de quase tudo.
Campanhas massivas
Moçambique regista um aumento de casos em quatro das 20 chamdas doenças tropicais negligenciadas, tais como sarna, tinha, filaríase linfática e lepra, além da tungiase (conhecida por matequenha em Moçambique).
Elas são consideradas negligenciadas porque recebem pouco financiamento da área da saúde, estão associadas à exclusão social, e geralmente são doenças que afetam pessoas pobres e com acesso limitado aos serviços de saúde.
Estatísticas do Ministério de Saúde (MISAU) indicam que as doenças tropicais negligenciadas afetam mais de um milhão de pessoas em Moçambique e 2 milhões estão em risco de serem infetadas.
As doenças, consideradas como problema de saúde pública, têm causado incapacidade crónica e morte nos pacientes, daí as autoridades estarem empenhadas em medidas para sua prevenção, como disse Henis Mior, chefe da Repartição Central de Doenças Tropicais Negligenciadas.
“Às suas complicações ao longo dos cursos incapacitam os indivíduos, eles ficam dependentes, e isso já por si, pode trazer problemas, do ponto de vista económico, porque haverá dependência”, referiu Mior, anotando que houve avanços na redução da prevalência das doenças .
O Governo traçou como meta até 2030 acabar com a pobreza e a fome em todos lugares, como forma de travar a proliferação destas doenças no país e tem em curso campanhas massivas de diagnóstico precoce e tratamento imediato nas unidades sanitárias.
“Além das campanhas de tratamento massivo, é preciso também a observância de medidas básicas, como a higiene individual, assim como coletiva, porque quando falamos da elefantíase estamos a falar de uma doença cuja transmissão é feita com a picada de mosquito, as medidas de prevenção são as mesmas que as da malária”, vincou Henis Mior.
As regiões centro e norte, com maior densidade populacional, têm as áreas mais afetadas pelas doenças tropicais negligenciadas.
Baixa cobertura de saúde
Entretanto, o ativista social António Mathe observa que a baixa cobertura das necessidades de saúde das comunidades, situada em 47 por cento, prova que o compromisso e a intenção política de resolver o problema não vem sendo acompanhado de ações que trazem transformações a nível de prestação de cuidados de saúde.
“É importante que os compromissos políticos assumidos pelo Governo possam ser materializados e transformados em planos concretos para resolver os problemas específicos das comunidades e no caso específico dessas doenças tropicais negligenciadas”, precisou António Mathe, que receio que a meta de 2030 não seja atingida.
O também coordenador para área de participação pública do Observatório Cidadão para Saúde (OCS) defende a criação de estratégias de financiamento doméstico para o tratamento dessas doenças e reduzir a dependência em relação aos doadores estrangeiros.
“Moçambique ainda tem uma forte dependência externa em relação ao financiamento na área de saúde e os doadores têm as suas áreas prioritárias de investimento, sabemos que uma das áreas prioritárias é a área do HIV, malária, tuberculose e outras doenças crónicas que constituem prioridade na agenda da ajuda externa para financiar o setor de saúde, e, portanto, é preciso reduzir essa dependência e encontramos soluções para podermos priorizar as necessidades reais de saúde”, concluiu António Mathe.
O dia, em Moçambique, é celebrado sob o lema: “Unir esforços e agir para eliminar as Doenças Tropicais Negligenciadas”.
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