Jornalistas moçambicanos aplaudiram a revogação do decreto que fixava taxas draconianas para o registo e exercício da imprensa, dois anos depois da sua aprovação pelo governo, mas alertaram para novas ameaças das liberdades quando o país caminha para uma “democracia autoritária”.
Borges Nhamire, jornalista e investigador do Centro de Integridade Publica (CIP), observa que o decreto revogado se enquadrava numa marcha de repreensão das liberdades de imprensa e de expressão, que exige um escrutínio da classe sobre os próximos mecanismos a serem usados.
“O governo foi forçado a recuar. Eu vejo nesta perspectiva, que é bom, mas é pouco, porque o projeto do Governo de reprimir as liberdades continua, e nós precisamos de estar atentos, para ver qual vai ser a próxima invenção do Governo nesta marcha contra a liberdade de imprensa” diz Nhamire à VOA.
O jornalista lembra que nos últimos três anos de governação do antigo presidente moçambicano, Armando Guebuza, houve vários jornais privados que foram comprados e extintos, e houve tentativa de compra de outros com a finalidade de capturar a já frágil imprensa moçambicana.
O decreto ora revogado, prossegue Nhamire aparecia como um mecanismo institucional para atingir os correspondentes da imprensa internacional, que se tornou na “única janela” para espelhar a realidade do país.
“O decreto surge como primeira medida institucional, para travar o trabalho da imprensa, da imprensa internacional, acima de tudo, porque a imprensa local é controlada por outros mecanismos” observa.
Recuo tardio
Fátima Mimbire, jornalista e defensora de direitos humanos, repara que o “recuo do governo é tardio”, porque vários grupos de medias, jornalistas e defensores de direitos humanos alertaram, em encontros privados com o Governo, para a inconstitucionalidade desde o início da introdução, do que classificou de “taxas vergonhosas”.
“Me parece que a agenda era muito mais suja, muito mais grave, do que o que poderia aparentar ser uma simples limitação das liberdades” afiança Fátima Mimbire.
Para a jornalista, o decreto foi criado para “atacar um problema muito mais profundo, que é aquilo que os políticos podiam chamar de proliferação de correspondentes das agências internacionais no país”, o que motivou um repúdio generalizado da classe e sociedade civil.
Mimbire e Nhamire são unânimes de que vários assuntos, como as dividas ocultas, esquadrões da morte e ataques em Cabo Delegado, continuariam ignorados se não tivessem uma repercussão internacional através da media estrangeira.
Os dois jornalistas observam que o decreto foi despoletado quando a media internacional começou a reportar situações de violação de direitos humanos no país, ao invés da imagem positiva que as autoridades moçambicanas tentavam transmitir.
O capitulo moçambicano do Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA-Moçambique), congratulou-se com a revogação de taxas que ameaçavam a sobrevivência da media em Moçambique e manifestou prontidão em continuar a defender as liberdades.
Em comunicado, o MISA-Moçambique, expressa que a revogação resulta de apelos e repúdios da Associação das Empresas Jornalísticas, Fórum Nacional das Rádios Comunitárias, Centro de Integridade Pública, Ordem dos Advogados de Moçambique e o Comité de Emergência para a Proteção das Liberdades Fundamentais, que submeteram juntos a 14 de agosto de 2019, uma petição de declaração da inconstitucionalidade do referido decreto, com o patrocínio do provedor da justiça.