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"Falucho", uma viagem pelos mares de Cabo Verde em livro que visa activar a memória


Falucho, obra de Manuel Brito-Semedo, Cabo Verde, 27 Maio 2022
Falucho, obra de Manuel Brito-Semedo, Cabo Verde, 27 Maio 2022

Manuel Brito-Semedo recupera a memória dos faluchos e veleiros que praticamente caíram no esquecimento dos cabo-verdianos

Uma homenagem aos capitães de faluchos e veleiros das ilhas em forma de livro, "Falucho" é a mais recente obra de Manuel Brito-Semedo, apresentada nesta sexta-feira, 27, na cidade da Praia.

Natural da ilha do “Porto Grande”, como é conhecida a ilha de São Vicente, o autor bem cedo teve contacto com o mar e, também, com os pequenos barcos que impediram que as nove ilhas habitadas de Cabo Verde fossem universos separados.

Manuel Brito-Semedo, escritor cabo-verdiano, com a sua obra "Falucho", São Vicente, Cabo Verde, 24 Maio 2022
Manuel Brito-Semedo, escritor cabo-verdiano, com a sua obra "Falucho", São Vicente, Cabo Verde, 24 Maio 2022

No tempo em que avião sequer era sonho para os ilhéus do meio do Atlântico, os faluchos fizeram a “estrada” pelo mar, abrindo caminho a outros, maiorzinhos, que ligaram o arquipélago ao continente africano e, mais tarde, aos Estados Unidos e ao Brasil.

Conversa com Manuel Brito-Semedo, acerca de "Falucho"- 14:53
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Mas onde está esta história, foi-se questionando aquele antropólogo até que, com a morte, aos 90 anos de idade, do último construtor de botes no bairro de Achada de Santo António, onde ele mora, na cidade da Praia, Brito-Semedo decide começar a recolher histórias, a recorrer à sua memória e a conversas, dando assim origem a uma série de crónicas publicadas no jornal Expresso das Ilhas, entre 2017 e 2018, sobre os faluchos, esses barcos frágeis que ligavam as ilhas.

"Por que falucho?"

Mais tarde, o escritor, professor e crítico literário decide colocar essas crónicas numa obra para “reactivar a memória”.

“Por que Falucho?, as pessoas não conhecem, não há nada de homenagem a esses capitães, marinheiros e navios”, diz Birto-Semedo em conversa com a VOA sobre a sua mais recente obra.

“Existe ironicamente nas nossas moedas, três com navios, sendo a menor, de cinco escudos, do navio Belmira, que fazia a ligação curta, que chamo movimentos, entre Pedra Badejo (ilha de Santiago) e Porto Inglês (ilha do Maio) e vice-versa”, conta o autor que lamenta que hoje esse “falucho esteja a apodrecer na praia no mar” na ilha do Maio, sem que ninguém, nem a Câmara Municipal nem o Estado se preocupem em perservar essa história.

Na bibliografia cabo-verdiana, Brito-Semedo encontrou apenas três obras que falam sobre os barcos e decidiu “tentar recuperar isso e chamar a atenção” para que se possa ter algum museu, por exemplo.

Com o jornal Expresso das Ilhas a servir de “estaleiros”, nas suas palavras, mais tarde, o autor decidiu estruturar os textos em movimentos que, agora, dão corpo a “Falucho”.

Movimentos e hstórias, algumas trágicas, de faluchos

“Há uma estrutura de memórias, crónicas minhas, recordações minhas, conversas com pessoas a quem perguntei, uma segunda estrutura sobre livros e uma terceira estrutura de ensaios, todos evocando os próprios nomes e homenageei os capitães e marinheiros desses faluchos”, conta Brito-Semedo.

Muitas são as histórias que os leitores poderão encontrar como a do navio Matilde que deixou a ilha Brava com destino aos Estados Unidos e nunca apareceu, ou dos capitães que “sem formação, eram, no entanto, gente especial que se orientava pelo que via e ouvia”..

O escritor narra o episódio do falucho Belmira que saiu em direcção à ilha do Maio, perdeu-se “e foi aparecer 14 dias depois na Guiné-Bissau, na ilha de Komo”.

Ou ainda do capitão que a caminho do Sal, ilha plana, chamou os marinheiros e disse “sirvam-me de testemunhas, o Sal não está no mapa”.

Activar a memória

A obra, ao estilo de Brito-Semedo, crónicas, segundo o autor, dá à estampa “sem nenhuma presunção”, mas pretende, sim, “chamar a atenção para a memória, para cuidarmos da memória e mostrar que temos uma história rica que precisa ser abordada, não apenas nível das universidades, da academia, mas de forma simples”.

Na era digital, o escritor, "por ser professor", continua a acreditar que o livro é um fiel depositário da história e da memória e diz que prefere continuar a escrever “pensando na geração dos meus filhos”.

Com a chancela de Rosa de Porcelana Editora, a apresentação da hora na Praia foi feita por Carla Lima e Margarida Fontes.

As obras

Professor jubilado da Universidade de Cabo Verde, Manuel Brito-Semedo começou a sua carreira profissional como pastor evangélico, antes de entrar na docência.

É doutorado em Antropologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e membro fundador da Academia das Ciências e Humanidades de Cabo Verde, da Cátedra Eugénio Tavares de Língua Portuguesa e da Associação de Escritores Cabo-verdianos.

Colunista e colaborador de dezenas de jornais, revistas, bem como estações de rádio e televisão, Brito-Semedo organizou também dezenas de obras, prefaciou outras tantas e tem 10 livros publicados.

Entre as suas obras, destacam-se “Caboverdianamente Ensaiando, Vols. I e II, 1995 e 1998, “A Morna-Balada – O Legado de Renato Cardoso, 1999, “Gastronomia, Música e Dança no Ciclo de Vida do Homem Cabo-Verdiano, 2018, “Representação Social do Médico em Cabo Verde, 2018, “Morna - Música Rainha de nôs terra (colecção de 5 livros + CD), 2019, “A Advocacia em Cabo Verde – Breve Historial , Pedro Cardoso Livraria, 2020, e uma série de Crónicas sob o título “Esquina do Tempo”.

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