A polícia queniana fez buscas no sábado, 13, a uma pedreira abandonada transformada em lixeira, numa favela em Nairobi, depois de terem sido encontrados vários corpos mutilados em sacos de plástico. As buscas foram acompanhadas por uma multidão em fúria.
A Autoridade Independente de Supervisão da Polícia (IPOA) disse mais tarde que tinham sido recuperados os restos mortais de pelo menos nove pessoas, sete das quais eram mulheres.
"Os corpos, embrulhados em sacos e presos por cordas de nylon, apresentavam marcas visíveis de tortura e mutilação", afirmou a IPOA, referindo que a lixeira ficava a menos de 100 metros de uma esquadra da polícia.
A polícia do Quénia disse que está a investigar se havia algum envolvimento da polícia na descoberta, na área de Mukuru, no sul da capital.
O IPOA está também a investigar as alegações de raptos de manifestantes que desapareceram depois de os protestos generalizados contra o governo do presidente William Ruto se terem tornado mortais.
Algumas pessoas nas redes sociais descreveram-nos como, possivelmente, vítimas de feminicídio.
“A recente descoberta de corpos mutilados numa pedreira em Nairobi incendiou ainda mais a ira, levando a protestos localizados em algumas zonas da cidade. Os habitantes locais estão a exigir respostas do Estado sobre a identidade dos autores destas mortes”, conta Ernest Cornel Oduor, da Comissão dos Direitos Humanos do Quénia, em declarações à VOA Português.
A Comissão exorta “o governo a permitir e a iniciar rapidamente investigações exaustivas sobre estes assassínios”, escreve ainda a organização num comunicado.
Surto de desaparecimentos
A força policial do Quénia é frequentemente acusada de execuções extrajudiciais e outros abusos, mas as condenações são raras. Além disso, a polícia tem, alegadamente, dirigido esquadrões de morte contra pessoas como activistas dos direitos humanos e advogados que investigam alegados abusos policiais.
"A descoberta surge perante um aumento preocupante de casos de desaparecimentos misteriosos e raptos, em especial na sequência dos recentes protestos contra a lei das finanças", declarou em comunicado uma coligação de grupos da sociedade civil e de defesa dos direitos humanos.
"Este incidente horrível é uma questão de fatalidade em massa, representa uma grave violação dos direitos humanos e levanta sérias preocupações sobre o Estado de direito e a segurança no nosso país", diz o comunicado.
Os serviços de aplicação da lei do Quénia estão já sob forte escrutínio, depois de dezenas de pessoas terem sido mortas durante as manifestações do mês passado, com grupos de defesa dos direitos humanos a acusarem os agentes de uso excessivo da força.
A Procuradoria-Geral da República também manifestou a sua preocupação com possíveis violações dos direitos humanos.
Manifestantes querem demissão de Ruto
A multidão reunida na lixeira gritava "Ruto deve ir", o slogan dos quenianos da geração Z que lideram os protestos que agora se transformaram numa campanha mais ampla contra o governo, a corrupção e a alegada brutalidade policial.
A descoberta surge depois do anúncio feito por Ruto, na quinta-feira, 11, de que vai demitir quase todo o gabinete e que planea formar um "governo de base alargada", a sua última medida para tentar apaziguar os activistas da Geração Z.
Porém, a decisão não apazigou os manifestantes. “Os quenianos querem ver responsabilizadas as vidas perdidas e consideram que Ruto não está a tomar medidas suficientes contra os agentes responsáveis pela morte de 41 manifestantes pacíficos.”, afirma Ernest Cornel Oduor, da Comissão dos Direitos Humanos do Quénia.
No decorrer da decisão de Ruto, o chefe da polícia nacional, Japhet Koome, alvo de grande indignação pública devido às mortes nas manifestações, demitiu-se na sexta-feira, 12, após menos de dois anos no cargo.
Mas Oduor afirma que “há apelos para que Koome seja processado pelos crimes que ocorreram sob a sua liderança”.
Segundo Ernest Cornel Oduor, espera-se um grande protesto na próxima terça-feira, 16, e lembra que “as manifestações são constitucionalmente protegidas”.
c/ AFP
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