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"Continuarmos a defender a liberdade de imprensa que é tão fundamental para qualquer democracia", Dean Pittman.


Dean Pittman
Dean Pittman

Escreve embaixador americano em Moçambique

Por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, que se assinala nesta quinta-feira, 3 de Maio, o embaixador dos Estados Unidos em Moçambique, Dean Pittman, publicou um artigo de opinião, que a VOA divulga a continuação. Os subtítulos são da responsabilidade da redacção.

Nos dias sombrios de Setembro de 1962, no meu estado natal do Mississippi, após o Governo Federal dos Estados Unidos ser forçado a enviar o exército para inscrever o primeiro estudante afro-americano na maior universidade pública do estado, Ira B. Harkey, um editor de um jornal na cidade costeira de Pascagoula recebeu um telefonema.

“Estive numa reunião ontem à noite com algumas pessoas que querem ver-te morto”, disse o homem.

Harkey trabalhava no único jornal de Pascagoula, The Chronicle, e tinha redigido inúmeros editoriais nos últimos oito anos apelando à integração racial pacífica nos espaços públicos do Mississippi, tais como casas de banho, restaurantes, e fontanários, e nas suas instituições, como universidades, tribunais e órgãos legislativos.

Ele estava entre um punhado de corajosos jornalistas dispostos a manifestarem-se.

Embora muitos sentissem em privado que era chegada a hora da integração racial no Mississippi, poucos líderes empresariais ou religiosos, políticos ou mesmo jornalistas ousavam desafiar publicamente aqueles que clamavam por uma segregação contínua das raças, ou condenavam a violência racial no estado quando eclodissem.

Poucos dias após o aviso do autor da chamada, que não chegou a identificar-se, alguém disparou uma espingarda através da porta frontal da sede do The Chronicle na baixa da cidade.

Ainda assim, Harkey continuou a escrever, em 1962 e durante os tumultuosos anos que se seguiram.

Face a ameaças claras e crescentes contra a sua segurança, através dos seus editoriais, Harkey condenou a violência contra os afro-americanos e os que defendiam a integração imediata.

Através do seu jornal, apelava publicamente à honra do povo do Mississippi para que agisse correctamente, e afirmasse o que sabia estar certo.

O meu pai era também, nessa época, um jornalista no Mississippi e também recebeu ameaças por reportar sobre questões de direitos civis.

Como Harkey, ele sabia que os jornalistas devem continuar a falar, e a dizer a verdade.

Estes jornalistas eram campeões da liberdade de imprensa, numa época em que tal não era fácil no Mississippi.

De Mississipi a Moçambique

Qual é a importância desta história acerca de Ira B. Harkey e outros jornalistas destemidos de há mais de 50 anos atrás no Mississippi para o nosso quotidiano (hoje em dia) em Moçambique?

Ela é importante porque a 3 de Maio comemoramos o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, e há poucas semanas assistimos a ameaças e a um ataque horrível contra um conceituado comentador político moçambicano, que foi claramente espancado por expressar as suas opiniões num programa popular televisivo.

Como Harkey, o comentador político moçambicano cumpria um dever fundamental da sua profissão: apresentava publicamente uma análise franca e directa de eventos recentes.

Existem, no entanto, diferenças-chave entre o Mississippi de então e o Moçambique de hoje.

Em primeiro lugar, ao contrário do Mississippi naquela época, Moçambique tem assistido, ao longo dos últimos anos, a uma ressurgência de debates públicos saudáveis nos jornais, na televisão e na rádio, e especialmente nas redes sociais.

De igual modo jornalistas e cidadãos têm tido cada vez mais confiança, colocando questões difíceis que provocam discussão sobre os desafios enfrentados por esta grande nação.

Como americano, e como Embaixador dos Estados Unidos da América, sinto-me encorajado sempre que um repórter moçambicano pressiona-me com uma pergunta difícil ou desafia a minha posição política.

É sempre fácil concordar.

Reconhecer publicamente os desacordos e trabalhar neles de forma construtiva, no entanto, é a melhor forma de exercer a democracia.

Em segundo lugar, diferentemente da reacção silenciosa e vergonhosa no Mississippi às ameaças contra Harkey e outros, ergueu-se um coro de vozes moçambicanas condenando o ataque recente em Maputo.

Representantes da sociedade civil, oficiais do Governo, e líderes dos partidos políticos denunciaram energicamente o ataque e defenderam o direito dos Moçambicanos declararem livremente as suas opiniões e participarem no debate público.

Futuro promissor

Finalmente, enquanto a polícia local em Pascagoula, Mississippi pouco fez para investigar as ameaças contra Harkey, a polícia em Maputo comprometeu-se a conduzir uma investigação séria e minuciosa sobre o ataque recente, e os Estados Unidos juntam-se ao povo moçambicano na esperança de ver os resultados dessa investigação.

Muitos no Mississippi que discordavam da segregação mantiveram-se calados por medo, frequentemente justificado, de que uma força policial na sua grande maioria racista não protegeria a sua segurança.

A polícia em Moçambique tem, portanto, um papel importante e construtivo a desempenhar assegurando que os jornalistas, e todos os cidadãos, possam reportar eventos e expor opiniões num ambiente livre de violência e de intimidação.

Como diz o ditado, estudamos o passado para evitar estarmos condenados a repeti-lo, e porque nos ajuda a construir um futuro promissor.

No Mississippi, esses dias sombrios ficaram para trás, graças em parte ao espírito indomável de uma imprensa livre.

É minha esperança que à medida que avançamos rumo ao futuro, os exemplos de Ira B. Harkey, Ericino de Salema e muitas outras vozes corajosas nos inspirem, como cidadãos dos Estados Unidos e de Moçambique, a continuarmos a defender a liberdade de imprensa que é tão fundamental para qualquer democracia.

Ditt Pittman, Embaixador dos Estados Unidos em Moçambique

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