O Comando-geral da Polícia da República de Moçambique (PRM) admitiu, pela primeira vez, o envolvimento de agentes da corporação nos crimes de rapto e assaltos, com recurso a armas de fogo, e instruiu as direções e vários ramos da corporação a aprofundar as causas que estão a colocar em causa a segurança pública no país.
Vários analistas políticos moçambicanos, em conversa com a Voz da América, sugerem falhas graves no processo de recrutamento de candidatos, geralmente manchado por corrupção, e uma degradação ética e moral na corporação.
“Nos últimos dias, o Comando-geral da PRM tem constatado com maior preocupação a ocorrência de crimes envolvendo membros da PRM", lê-se na instrução, assinada pelo comandante-geral da corporação, Bernardino Rafael, de 9 de maio, na qual instrui os vários ramos da Polícia a investigar a fundo as motivações do fenómeno.
A instrução dá um prazo de 30 dias às direções do Comando-Geral, dos comandos provinciais, ramos da [olícia, unidades das forças especiais e de reserva, e estabelecimentos de ensino para apresentarem recomendações e soluções.
Bernardino Rafael apelou aos agentes, um dia depois de ter assinado a instrução, “a abandonar o comportamento desviante” e alertou que vai “exercer pressão contra o agente da polícia que participa com grupos que praticam crime”, expulsando os agentes envolvidos.
“Alguns colegas estão a perder a cabeça. Não pode ser a Polícia a aumentar os índices de criminalidade no país. Se a Polícia comete crime está prejudicando aquilo a que nos comprometemos”, precisou Bernardino Rafael, em Chimoio, no lançamento da semana da PRM, que assinala 49 anos de sua criação no dia 17 de Maio.
Raptos realizados por agentes
No caso mais recente, dois agentes da Polícia afetos à 23a. esquadra em Maputo foram detidos, na semana passada, pelo Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), por suspeita de terem raptado uma criança de oito anos, cujo resgate de 200 mil meticais acabou frustrado.
A criança foi encontrada na casa de um dos agentes, que era usada como cativeiro.
A 11 de fevereiro, um empresário foi raptado na cidade de Maputo a poucos metros da Casa Militar, quartel responsável pela guarda do Presidente moçambicano, levantando suspeitas do envolvimento de alguns agentes no segundo caso de rapto concretizado até àquela data.
Outros casos de raptos contra empresários de origem asiática e seus familiares, envolvendo agentes da polícia, foram reportados na cidade e província de Maputo, Sofala e Nampula.
A onda de raptos de empresários em Moçambique começou em 2011 e é, frequentemente, confirmada a participação de polícias e magistrados, entre outros agentes do Estado, nessas redes, com ramificações que se estendem até a vizinha África do Sul.
A Polícia registou um total de 185 casos de raptos e pelo menos 288 pessoas foram detidas por suspeitas de envolvimento no crime desde 2011, anunciou o ministro do Interior, em março.
Desde Janeiro de 2023, as autoridades moçambicanas detiveram 38 pessoas envolvidas na onda de raptos no país, que registou um total de 13 casos no mesmo período, segundo dados oficiais.
Baixos salários podem estar na origem do problema
Analistas políticos moçambicanos, ouvidos pela VOA, consideram que as graves falhas no processo de recrutamento de candidatos a agentes, entre os quais, os baixos salários e a degradação moral da sociedade, podem estar a influenciar o envolvimento de membros nos crimes.
“Há problemas em cadeia, desde o recrutamento dos agentes policiais. É comum ouvir que ex-bandidos, ex-ladrões foram parar à corporação policial. Obviamente. que estes indivíduos jamais deixarão de praticar, mesmo não fazendo de forma direta, mas sim de forma indireta”, diz em declarações à Voz da América, Teotónio Pio, docente universitário.
Pio sugere que os candidatos sejam filtrados de acordo com o seu comportamento na sociedade. “Os crimes devem constituir preocupação de quem dirige a corporação, e nunca deveria apanhar sono ao ouvir dizer que todos os dias a nossa polícia está envolvida num ou noutro caso criminal neste país”, conclui.
O também analista político, Martinho Marcos, defende o estabelecimento de um salário compatível na Polícia, "que possa desencorajar a aliança com grupos criminosos".
Na apresentação do seu informe anual ao Parlamento, a 24 de abril, a Procuradora-Geral de Moçambique, Beatriz Buchili, manifestou algum desagrado pelo facto de os pedidos de extradição dos supostos mandantes dos raptos, feitos às autoridades sul-africanas, não terem tido resposta.
"A título ilustrativo, foram submetidos 20 pedidos de extradição e auxilio judiciário mútuo na sua maioria há mais de um ano, alguns dos quais relativos a indivíduos identificados como mandantes do crime de rapto e entretanto não obtivemos respostas", afirmou Buchili.
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