A falta de distribuição de cestas básicas para os deslocados que se encontram em vários campos de abrigo na província moçambicana de Cabo Delgado está a provocar um “caos humanitário”, com vários deslocados a sofrerem desmaios por causa da fome, disseram à VOA nesta quarta-feira, 3, várias testemunhas.
Há dois meses que o apoio humanitário, que já ocorria com alguma irregularidade, não chega aos campos de deslocados, sobretudo em Metuge, o distrito colado à capital Pemba e que acolhe o maior número de deslocados dos ataques de radicais islâmicos, localmente conhecidos por al-shaabab.
“A comida acabou. Temos aqui dois meses sem receber (apoio alimentar)", lamentou Vânio Salimo, um deslocado em Metuge, descrevendo uma preocupação generalizada de uma população “que não sabe o que é uma refeição há vários dias”.
“Até está quase a morrer uma pessoa”, na casa vizinha, acrescentou.
As autoridades e organizações humanitárias, prosseguiu a nossa fonte, ainda não esclareceram o atraso da distribuição alimentar, apesar de sucessivas visitas das organizações humanitárias, supostamente para fazer um novo levantamento da população em campos de abrigo.
“Ontem (terça-feira, 2) vieram três carros, vinham fazer inscrições de novo, agora não sabemos qual é a intenção”, disse à VOA Ismael Abubakar, outro deslocado em Nangade, adiantando que os deslocados por vezes “recebem pratos de comida” dos moradores locais.
Outro deslocad que se encontra na capital Pemba e que igualmente descreveu o desespero de muitos “que estão a passar muita fome”, assegurou que nesta quarta-feira, 3, o Programa Alimentar Mundial (PAM) retomaria a distribuição de cestas básicas aos deslocados locais.
“Há fome sim, muita fome, mas parece que o PAM começar (a distribuir) hoje”, disse num tom de alívio, insistindo que “a fome vai continuar a existir porque as pessoas ainda não têm suas próprias machambas”, para produção agrícola de auto-sustento.
Desmaios em Metuge
Várias fontes locais disseram à VOA que nas últimas semanas têm sido reportados vários casos de desmaios de pessoas devido à fome, sobretudo de idosos e crianças, a faixa etária com maior taxa de subnutrição entre os deslocados.
“As pessoas estão a desmaiar por causa da fome”, disse uma das nossas fontes, adiantando que as pessoas recorreram a papas feitas a base de mangas verdes, mas o recurso está escasso nos últimos dias.
O governador de Cabo Delgado, Valige Tauabo, numa entrevista recente, reconheceu as dificuldades na disponibilização de cestas básicas suficientes para os deslocados em Cabo Delgado, e apelou, na ocasião, para uma veia solidária da população local e do resto do país e do mundo.
A província de Cabo Delgado é alvo de uma violência armada de jihadistas desde Outubro de 2017, que já expulsou mais de 800 mil pessoas das suas casas, segundo as Nações Unidas, e matou mais de 3.100 pessoas, segundo o colector de dados de conflitos ACLED.