Rússia tem estado "ocupada" no continente africano nos últimos anos. Autoridades reconheceram que havia russos a bordo de um avião de transporte Antonov, que caiu na semana passada numa remota floresta congolesa.
Há também relatos de russos mortos recentemente em lutas na Líbia. E a Rússia está a fazer acordos, gastando dinheiro e assumindo compromissos em toda a África.
Mas esta semana serão exibidos os aspectos mais condimentados do reengajamento da Rússia em África. O presidente Vladimir Putin receberá dezenas de líderes africanos na cidade turística de Sochi para uma conferência de dois dias, a primeira grande reunião de líderes africanos na Rússia desde o colapso da União Soviética em 1991.
A cimeira tem lugar no Parque Olímpico de Sochi, a joia da coroa que sofreu uma reforma de mil milhões e meio de dólares para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014.
No que diz respeito às autoridades do Kremlin, o evento destacará a inversão da retirada da Rússia do continente e quer demonstrar que a Rússia não é mais uma potência mundial defunta. "Este é um continente muito importante", disse o porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, a repórteres na semana passada. "A Rússia tem coisas a oferecer em termos de cooperação mutuamente benéfica para os países africanos", acrescentou.
Rússia tem uma história na África
A presença da Rússia no continente foi insignificante durante a maior parte das décadas após o desmembramento da União Soviética. O foco da Rússia, sem dinheiro e desorientada, estava em si mesma, mas nos últimos anos reativou velhos laços e forjou novos.
Durante décadas a União Soviética desfrutou de extensas relações em toda a África, através de seu apoio aos movimentos de libertação nacional em Angola, Moçambique ou Guiné-Bissau, o seu envolvimento nos conflitos de Ogaden ou no congolês e o seu “namoro” com o regime de esquerda da Etiópia, segundo Paul Stronski , analista do Carnegie Endowment, um think tank de Washington DC. "Quando a União Soviética entrou em colapso, essas relações pararam abruptamente", diz Stronski.
Durante a era soviética, muitos dos líderes políticos e militares da África foram educados na Rússia - agora apenas três actuais chefes de estado africanos receberam educação universitária na Rússia ou num dos antigos países do Pacto de Varsóvia.
Os líderes de antigos estados clientes soviéticos como Angola, onde a Rússia investiu na indústria de diamantes, e a Etiópia estarão entre os 10 mil políticos e empresários de 35 países africanos que participam da cimeira de Sochi. Mas o mesmo acontecerá com representantes da Nigéria, onde os russos investem na indústria de petróleo e gás, e o Gana. Nenhum dos dois teve grandes laços com Moscovo durante o auge da Guerra Fria.
A Rússia tem estado atarefada em Africa mas continua atrás de outros
O Ministério das Relações Exteriores russo diz que houve um aumento de 350% no comércio com os países africanos na última década.
As empresas russas estão agora envolvidas em alguns grandes projectos no continente - incluindo a construção da primeira fábrica nuclear do Egipto e o desenvolvimento de enormes depósitos de minerais brutos no Zimbabué, num acordo de 3 mil milhões de dólares em armas por platina.
Autoridades do Kremlin e empresários russos esperam que a conferência de Sochi leve a mais vendas de armas e compra pelos estados africanos de instalações nucleares russas.
Também é provável que sejam assinados mais acordos de petróleo e minerais, à margem da cimeira, juntamente com diversos acordos comerciais menores. Tudo numa tentativa para aumentar o valor do comércio russo com a África, que, no ano passado, foi de cerca de 20 mil milhões no ano passado, metade do comércio do continente com a França e dez vezes menos que o da China. O comércio União Europeia-África é avaliado num montante muito superior 300 mil milhões de dólares por ano.
Em destaque acordos de seguranca e políticos
A cimeira ocorre num momento em que o crescimento económico da Rússia estagnou, como consequência de cinco anos de sanções ocidentais e dos baixos preços do petróleo. A Rússia precisa de novos parceiros comerciais. Mas os negócios e a política parecem andar de mãos dadas no relacionamento da Rússia com a África e grande parte do foco desse relacionamento está na segurança e na venda de armas.
Quando as autoridades do Kremlin falam sobre o envolvimento em África, a geopolítica é tão importante quanto os acordos comerciais. Nos últimos cinco anos, a Rússia firmou 23 acordos de cooperação de segurança com governos africanos e, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI), é agora o maior fornecedor de armas do continente.
Os analistas Tim Stanley e Barnaby Fletcher, da Control Risks, uma consultoria global de riscos, argumentam que a Rússia está a ocupar "lacunas deixadas pelos governos ocidentais cautelosos para evitar condenação de eleitores domésticos ". É oferecida experiência em segurança, incluindo cooperantes militares russos e especialistas em desinformação para ajudar a sustentar governos falidos ou corruptos.
Na Guiné, onde a polícia na semana passada matou nove manifestantes pró-democracia, diplomatas russos apoiaram um esforço do presidente do país, Alpha Conde, de mudar a constituição, o que lhe permitiria cumprir um terceiro mandato. A empresa russa de alumínio Rusal obtém, da Guiné, um terço do bauxite de que necessita.
Edward Lucas, autor de "A Nova Guerra Fria: a Rússia de Putin e a ameaça ao Ocidente", diz "assustador e ladrão". "Os tecnólogos políticos russos oferecem consultoria especializada em todos os aspectos do processo eleitoral, desde suborno a propaganda e ataques cibernéticos. Mercenários reforçam a segurança", diz ele.
Como a China, a Rússia tem uma vantagem competitiva sobre o Ocidente - as vendas de armas da Rússia não dependem da situação dos direitos humanos ou exigências de uma melhor governação.
O oligarca militar Yevgeny Prigozhin, alcunhado de “o cozinheiro” de Putin 'por causa de seus lucrativos contratos de restauração com o Kremlin, é figura de destaque no continente.
E também a empresa dele, Wagner Group, que forneceu as duas dezenas ou mais de cooperantes que se acredita terem sido mortos em ataques aéreos na Líbia no mês passado.
O Grupo Wagner também forneceu tropas, muitos veteranos dos combates na Síria e na Ucrânia, para ajudar o governo da República Centro-Africana a reprimir uma insurgência. E os governos de Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia e Níger também procuram ajuda militar em Moscovo para derrotar insurgências.
Segundo uma investigação do jornal independente Novaya Gazeta, o jacto particular de Prigozhin parou em Beirute mais de 48 vezes, nos últimos dois anos, em viagens que, em última análise, o levariam a estados africanos.
Quando circularam as notícias do acidente no Congo, na semana passada, do avião de carga russo Antonov An-72, houve especulações imediatas de que Prigozhin poderia estar entre os mortos, o que acabou por não ser o caso.
Renovado interessa da Russia por Africa fez tocar alarme no Ocidente
Numa uma visita a Angola no início deste ano, o vice-secretário de Estado dos EUA John Sullivan disse: "A Rússia utiliza frequentemente meios coercivos, corruptos e encobertos para tentar influenciar estados soberanos, incluindo suas parcerias económicas e de segurança". Algumas autoridades ocidentais temem que o Kremlin use influência política e económica no continente para garantir que os países africanos votem ao lado da Rússia nas Nações Unidas e em outros organismos internacionais.
Mas os medos ocidentais podem ser exagerados, diz Paul Stronski, do Carnegie Endowment. Recentemente ele questionou se a Rússia pode criar uma base de poder real na África. Há mais "simbolismo que substância", disse ele, grande parte destinada a enervar o Ocidente. O regresso do Kremlin a África diz é "um excelente exemplo de como uma política externa ágil e flexível da Rússia pode ser feita de maneira barata e criar a aparência de pagar dividendos extravagantes", acrescenta ele.