Angola tem uma sociedade “amordaçada” e os angolanos devem procurar agora “aperfeiçoar os espaços democráticos que existem”, defendeu o sociólogo e jornalista João Paulo Ganga.
No programa “Angola Fala Só” da VOA, Ganga teceu várias considerações à situação política e social de Angola e defendeu que todo o sistema organizacional do Estado precisa de ser reformado, embora sem a exclusão dos actuais dirigentes.
O sociológo disse que em África em geral “as elites que libertaram o continente fazem com que as pessoas tenham que agradecer permanentemente junto delas essa libertação”.
“São quase servos dessas elites e nós temos em Angola este problema”, afirmou o socióllgo, acrescentando que os angolanos são também obrigados “a ter uma postura de quase ocidentais”.
“Se alguém fala na sua língua nacional é considerado burro e olhado de soslaio, mas quem domina a língua portuguesa é respeitado”, denunciou Ganga, para quem Angola é um país “assente num partido-Estado” que é o MPLA.
“Não há grande diferença entre o MPLA partido e o MPLA-Estado”, havendo dificuldade em ver quando o Presidente fala em nome do partido ou do Estado.
“Isso inibe a democracia em Angola”, disse, acrescentando que o sistema vigente em Angola “criou um país de militantes (dos diversos partidos), mas não de cidadãos”, em que ter cartão de militante de um partido é mais importante do que o Bilhete de Identidade de cidadão
O sociólogo e jornalista recordou que muito mais da metade da população não está filiada em qualquer partido, pelo que esse sistema “tem que ser invertido”.
“Se não for invertido estamos a marginalizar de forma institucional mais de metade do nosso povo”, disse.
Noutro passo do programa, Ganga frisou que continua-se “a viver com o modelo antigo de partido único, em que o Estado pode tudo e tem poder para tudo, enquanto o cidadão continua a ser marginal”.
Ele avisou, no entanto, para a tentação de se excluir o MPLA na procura de soluções devido “à ideia da exclusão politica”.
“Apesar das dificuldades não podemos fazer do presidente do MPLA os inimigos exclusivos da nação”, asseverou.
Para Ganga, "o Presidente da Republica e o MPLA são parte da nação e todos são parte do processo”, por isso, adianta, há que “encontrar pontos de convergência entre forças políticas e sociais”.
“Não podemos cair no discurso da exclusão”, afirmou.
No que diz respeito às eleições autárquicas, João Paulo Ganga manifestou o seu cepticismo, não só sobre o interesse do poder em realizá-las como também pelo facto de não haver ou poder ser recusado o financiamento das mesmas.
“Continuamos a ter uma visão ´piramidal´ do exercício do poder”, continuou o convidado do programa, afirmando que autarquias significam a descentralização do poder e que isso não interessa ao Estado.
“O poder autárquico está muito longe”, por isso, segundo Ganga, “devemos aperfeiçoar os espaços democráticos que temos e abrir espaços de liberdade”.
João Paulo Ganga referiu-se por várias vezes ao julgamento dos activistas acusados de tentativa de golpe de Estado como “uma farsa” e “um processo iminentemente político”.
“Os jovens a serem julgados são verdadeiros heróis”, afirmou, antes de continuar: “Se tivéssemos vergonha enquanto africanos e angolanos já devíamos ter parado (o julgamento)”.
O sociólogo considerou que as autoridades estão a repetir o que o colonialismo fez com os nacionalistas angolanos.
João Paulo Ganga avisou ainda que há o risco das pessoas perderem o respeito pelas instituições e quando isso acontece “a tendência é que haja movimentos violentos”.
“O regime está a atacar as consequências e não as causas dos protestos, disse, acrescentando que em todo o processo o Presidente teve “a oportunidade de demonstrar mais sensibilidade e um lado mais humanista”.
“Estamos todos tristes”, resumiu.
Interrogado por um ouvinte, o sociólogo e jornalista abordou também a questão de autonomias regionais, como a reivindicada nas Lundas e em Cabinda.
“Vamos ter que repensar o modelo de organização do nosso Estado já que e o modelo actual não satisfaz as populações”, acrescentou, afirmando ainda que “o mais importante é criar pontos de diálogo”.
Para João Paulo Ganga o problema actual é que Angola está baseada num “paradigma antigo com uma preocupação pelo Estado e não pelo cidadão, pela pessoa”.