O Conselho da República de Cabo Verde reuniu-se de emergência na semana passada, convocado pelo Presidente da República, depois de o Chefe de Estado e o primeiro-ministro terem manifestado publicamente profundas divergências em temas de política externa.
José Maria Neves, em duas ocasiões, manifestou o seu espanto por não ter sido consultado pelo Governo antes da votação de resoluções da ONU sobre a guerra entre Israel e o Hamas, tendo, na segunda ocasião, criticado a abstenção de Cabo Verde na votação para a abertura de corredores humanitários em Gaza.
Ouça o programa:
O Governo, que define a política externa do país, embora em concertação com o Chefe de Estado, informou ter votado em defesa dos interesses do país e que comunicou a sua intenção à Presidência.
Neves também manifestou a sua surpresa pela falta de concertação antes do encontro que o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, manteve na ilha do Sal, no dia 9, com o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenksyy, que escalou o arquipélago a caminho da Argentina.
Dedo ao primeiro-ministro
Aquele órgão de consulta do Chefe de Estado recomendou uma articulação permanente entre o Presidente da República e o Governo em matéria de política externa, de modo a assegurar que o país “fale sempre a uma só voz”.
No programa Agenda Africana, da Voz da América, o antigo presidente da Assembleia Nacional e ex-Provedor de Justiça, António Espírito Santo Fonseca, diz que “a crise apenas está a começar” e responsabilizou o MpD, partido do Governo, pela situação.
Um dos primeiros militantes daquele partido, criado em 1990, Espírito Santo afirma ter presenciado, em 1995, e desde então, a ideia daquele partido de “um Presidente, um Governo, uma maioria (parlamentar)”, mas quando não a consegue “cria problemas”.
Para aquele atual comentador político, houve falta de deslealdade institucional por parte do Governo e, embora espere que "surja alguém" capaz de colocar água fria na fervura, ele não vê com bons olhos os próximos tempos.
Perigo do acantonamento
O antigo conselheiro do ex-Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, e analista político António Ludgero Correia aponta a "falta de protocolos" entre a Presidência e o Governo como estando na origem desta crise.
Ludgero Correia lembra tentativas anteriores de "acantonar" o Presidente Fonseca, inclusive quando Jose Maria Neves era primeiro-ministro, mas esclarece que os "atores tiveram o cuidado de definir protocolos" para evitar eventuais sobreposições em matéria de política externa e da defesa.
Ele também afirma que o primeiro-ministro é levado com "rédea curta" dentro do MpD e alerta que "se alguém estiver a levar Ulisses (Correia e Silva) a ter certas atitudes com vista a eleições (Legislativas e Presidenciais), ele está a ser muito mal aconselhado", reiterando que, na relação com o Presidente da República, há que haver coordenação, "ele não pode ser informado sobre um fato consumado".
O jornalista sénior Fernando Carrilho recomenda "calma e ponderação" porque estão em causa duas instituições, e não pessoas, a Presidência e o Governo, e aconselha os atuais títulares políticos a verem como anteriores coabitações funcionaram.
Cabo Verde e o valor da imagem
O antigo diretor da Rádio de Cabo Verde enfatiza que o mundo nestes tempos "clama pela pacificação, pelo diálogo, pelo entendimento" e lembra que "Cabo Verde como um país com as suas limitações económicas, financeiras, de mão estendida para a copperação, um país endividado que precisa de contrair dívidas para sobreviver e lançar o seu próprio desenvolvimento deve dar internamente também o mote de que há um entendimento institucional".
A Voz da América contatou o Gabinete do primeiro-ministro e presidente do MpD para eventual reação aos comentários feitos, mas não houve qualquer resposta.
Ouça o programa na íntegra.
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