Um grupo armado ligado ao Estado Islâmico (ISIS) utilizou crianças-soldado de apenas 13 anos para invadir e saquear a cidade de Macomia, na província de Cabo Delgado, a 10 de maio de 2024, disse a Human Rights Watch (HRW) numa nota de imprensa divulgada nesta quarta-feira, 15.
“O recrutamento e utilização de crianças menores de 15 anos como crianças-soldado é um crime de guerra”, alerta aquela organização de defesa dos direitos humanos, que esclarece, no entanto, não estar "confirmado se as crianças também participaram na luta contra as Forças Armadas do Governo”.
O grupo armado, conhecido localmente como Al-Shabab, atacou Macomia e saqueou lojas e armazéns antes de atacar as posições das forças governamentais na cidade, desencadeando intensos combates.
“Várias testemunhas, incluindo familiares dos rapazes, disseram à Human Rights Watch que entre os combatentes do `Al-Shabab` que participaram no ataque estavam dezenas de rapazes portando cintos de munições e espingardas de assalto tipo AK. Duas pessoas da mesma família disseram ter reconhecido o sobrinho de 13 anos entre as crianças”, diz a nota.
“A utilização de crianças como soldados pelo grupo armado Al-Shabab é cruel, ilegal e só aumenta os horrores do conflito de Cabo Delgado”, afirma Zenaida Machado, investigadora sénior de África da HRW, citada na nota.
Ela disse que “o ´Al-Shabab` deve libertar imediatamente todas as crianças das suas fileiras e impedir qualquer recrutamento adicional”.
“A capacidade do Al-Shabab de recrutar, treinar e utilizar crianças-soldados em Cabo Delgado é muito preocupante”, continua Machado, quem diz que "autoridades moçambicanas, os grupos armados e os parceiros internacionais devem intensificar os seus esforços para garantir que as crianças permaneçam seguras na escola e em casa e manter as crianças fora do campo de batalha”.
Relatos de residentes e parentes de crianças-soldados
A HRW relata ter falado por telefone com seis residentes que testemunharam o ataque a Macomia e com dois trabalhadores de organizações de ajuda humanitária na região, que contaram que “os combatentes, incluindo dezenas de meninos, chegaram à cidade por volta das 4 horas da manhã do dia 10 de maio, foram divididos em pelo menos três grupos de “centenas”.
As imagens vistas pela Human Rights Watch, e agora amplamente partilhadas nas redes sociais, parecem mostrar alguns dos combatentes, incluindo uma criança, com armas e a se deslocarem livremente perto de um mercado local.
“Uma das pessoas que se escondeu nas florestas circundantes foi o comerciante Abu Rachide, de 22 anos, que disse à Human Rights Watch que, ao chegarem à cidade, os combatentes envolveram-se pacificamente com as pessoas e disseram aos residentes para não temerem nem fugirem, pois tinham “ido apenas pela comida”, lê-se na nota, que acrescenta: “Eu e minha irmã decidimos fugir de qualquer maneira porque não queríamos correr riscos, mas muitas pessoas ficaram para trás”.
Abu Rachide disse ter visto dezenas de crianças entre os combatentes, incluindo o seu sobrinho de 13 anos, desaparecido desde o ataque de 10 de janeiro em Mucojo.
“Eu o vi com meus próprios olhos carregando uma grande arma e um cinto de munição e agindo como um grande homem confiante”, disse Abu Rachide que, quando chamou o sobrinho “o menino acenou para ele e continuou sua missão”.
A irmã de Abu Rachide, Aida, confirmou o relato.
“O menino parecia muito confortável carregando uma arma e seguindo instruções dos [mais velhos]”, disse ela e que questionou-se “como ele se tornou um lutador assim em apenas quatro meses?”
Combates provocam fuga de pessoas
Um comerciante de 47 anos, Jamal Jorge, que decidiu ficar no mercado para acompanhar os acontecimentos, disse que a maioria dos combatentes eram crianças e jovens que falavam swahili e kimwani, faladas na costa de Cabo Delgado.
Ele disse que viu mais de 20 crianças entre os combatentes.
“Lá no mercado só vi crianças, algumas um pouco mais velhas, talvez 17 ou 20 anos”, disse, acrescentando que a maioria deles eram crianças com menos de 16 anos.”
Ainda de acordo com a nota da HWR, testemunhas e relatos da comunicação social indicaram que um segundo grupo envolveu-se em combates contra tropas conjuntas do exército sul-africano e moçambicano estacionadas na cidade, enquanto um terceiro grupo bloqueou a estrada principal para Macomia, onde alegadamente emboscaram veículos militares que transportavam tropas sul-africanas que serviam com o Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Moçambique (SAMIM).
A HRW cita a Organização Internacional para as Migrações (OIM) que indicou que que mais de 700 pessoas fugiram dos combates que aconteceram de 10 de maio a 12 de maio, com algumas a se esconderem nas florestas circundantes, de acordo com a imprensa e imagens partilhadas online.
“Pelo menos 10 pessoas, a maioria soldados, teriam sido mortas nos combates”, diz a nota.
Organizações suspendem atividades
Os combatentes do `Al-Shabab` ocuparam a cidade de Macomia durante mais de 24 horas, abandonando a área na tarde de 11 de maio, deslocando-se depois em direção a Mucojo, disseram várias fontes.
Antes de partirem da cidade, saquearam alimentos de várias lojas e armazéns de grupos de ajuda humanitária, disseram dois trabalhadores humanitários.
Os Médicos Sem Fronteiras anunciaram a suspensão das suas atividades em Macomia após o ataque.
A HRW diz qu o grupo de insurgentes há muito que utiliza crianças em combate.
"Em 2021, a Human Rights Watch informou que o grupo estava a raptar rapazes e a utilizá-los para combater as forças governamentais, em violação da proibição internacional da utilização de crianças-soldados", diz a nota que conclui que "o Protocolo Facultativo das Nações Unidas à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados, que Moçambique ratificou em 2004, proíbe grupos armados não estatais de recrutar crianças menores de 18 anos".
O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional categoriza como crime de guerra o recrutamento, alistamento ou utilização ativa de crianças menores de 15 anos em hostilidades ativas durante conflitos armados e o Comité Africano de Peritos sobre os Direitos e Bem-Estar da Criança observa ainda que os grupos armados não estatais estão sujeitos ao direito humanitário internacional.
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