Analistas moçambicanos observam que o governo está a dar uma resposta lenta na erradicação das causas da insurgência armada em Cabo Delgado, sem ainda nenhum investimento para combater a pobreza extrema, numa altura em que grupos terroristas estão a relançar ataques nos distritos a norte da província.
Em entrevista à VOA, João Feijó, analista social e investigador e Wilker Dias, analista político, alertam que a ineficiência nas respostas às causas do conflito vão reacender a insurgência, piorando a já grave crise humanitária em Cabo Delgado.
Para João Feijó, o problema da insurgência deve s ser entendido à luz da economia politica da religião, e nos últimos quatro anos dos ataques o “governo tem reagido de forma lenta”, na busca de soluções eficazes no combate ao terrorismo em Cabo Delgado.
Para ele, há dois anos foi aprovado o plano estratégico da Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN), criada para socorrer economicamente a região norte, assolada pela insurgência, mas ainda não tem atuação e impacto no terreno.
“Eu continuo a achar que o problema deve ser entendido a luz da economia política da religião, e a solução para esse conflito, eu penso, que passa claramente, também pela opção militar porque é preciso garantir a segurança das pessoas, mas por se um problema de economia política e desenvolvimento é preciso apostar nestas coisas de desenvolvimento”, vincou em declarações à VOA.
“Há aspectos aqui que o governo está muito lento na reação”, destacou João Feijó.
Ele acrescentou que 82% da população de Cabo Delgado vive da agricultura e da pesca, e enquanto não se investir massivamente na agricultura e na pesca “vamos reproduzir a pobreza e vamos tornar essa população muito vulnerável para aderir estes grupos violentos”.
Por sua vez, Wilker Dias, que estuda e acompanha a insurgência em Cabo Delgado, disse que apesar de supostamente o terrorismo estar ligado a sabotagem dos megaprojetos bilionários de gás natural, “o governo já devia estar a dar respostas visíveis no combate a pobreza”, um dos fatores que facilitou o recrutamento de jovens para as fileiras jihadistas.
“Se nós temos em mente, com base em estudos efetuados, por me, em particular, as evidências indicam para a maior pressão” social, de grupos que foram marginalizados economicamente durante vários anos desde a independência do país.
Risco de esquecimento
Na quarta-feira, 24, pelo menos 23 organizações não governamentais internacionais alertaram para o risco de “esquecer” a crise humanitária que resulta de ataques de grupos armados em Cabo Delgado, devido a cortes graves no financiamento da assistência humanitária.
“Existe um risco muito real de que, com a crise agora no seu quinto ano, Cabo Delgado saia completamente do radar internacional”, avançaram as ONG em comunicado, salientando que o défice de orçamento para a assistência humanitária é preocupante.
“A resposta humanitária em Cabo Delgado está seriamente subfinanciada. Não estamos a receber financiamento suficiente para responder à crise humanitária”, anota o comunicado, reiterando a alerta de que a situação na província “está em risco de se tornar numa crise esquecida”.
Em Cabo Delgado, há 784 mil deslocados internos desde que eclodiu a insurgência armada em 2017, de acordo com a Organização Internacional das Migrações (OIM), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.
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