A viúva de Agostinho Neto, fundador do MPLA e primeiro Presidente de Angola, lamentou que pessoas continuem a ser presas apenas por pensarem de forma diferente.
Sem se referir directamente a activistas ou opositores presos em Angola, Maria Eugénia Neto disse que se devia fazer como antigamente.
“O partido mandava as suas orientações às bases, as bases viam o que é que estavam de acordo, o que é que não estavam, diziam, as coisas subiam ao bureau político e o bureau político tentava satisfazer todos e enquadrar as coisas conforme conviesse ao povo”, defendeu Neto, considerando que “o povo dava uma grande contribuição e ajudava os políticos”.
As declarações de Maria Eugénia Neto foram feitas na noite desta quinta-feira, 9, no lançamento do livro “Cartas de Maria Eugénia a Agostinho Neto”, que contém 184 cartas trocadas entre ela e Agostinho Neto, de 1955 a 1957, quando em que se encontrava detido.
O acto aconteceu nas instalações do Memorial Dr. António Agostinho Neto, em Luanda.
A obra, de acordo com Maria Eugénia Neto, mostra essencialmente “o apoio que foi dado a um preso político e angolano e que o ajudou a aguentar a cadeia e acreditar na solidariedade e no amor”.
Na apresentação do livro, a activista Alexandra Simão lamentou a “quantidade de mulheres, mães, esposas, filhas, que tenham sentido e que ainda sintam” o mesmo que Maria Eugénia: “tristeza de ver alguém que se ama sofrer apenas porque se pensa de forma diferente, apenas porque não concorda e decida sair da normalidade conformista, que exige que se aceite tudo sem questionar”.
Quem também interveio foi Irene Neto, filha de Maria Eugénia e Agostinho Neto, que considerou que o livro serve para reflexão “sobretudo quando há situações que tem muita semelhança com esta em todos os países, não só em Angola”.
A deputada do MPLA considerou que todos querem que a vida em Angola seja a melhor, e defendeu que “se há incompreensões é preciso falar, se há dificuldades é preciso dialogar e penso que é o único caminho que nos resta, não vamos entrar em confrontação e dar cabo uns dos outros como já aconteceu no passado, penso que a geração mais nova não está com vontade de repetir estas situações, nem os mais velhos”.
A obra e a autora
A obra tem cartas carregadas de histórias de amor, que destacam o companheirismo, a amizade, a admiração e o respeito que mantinham em dois tipos de correspondência: as cartas de Geninha, a jovem e solteira Jenny, nas missivas dirigidas ao namorado durante a sua permanência na prisão por motivos políticos, no Porto, entre 1955 e 1957, e cartas manuscritas de Jeny dirigidas ao já esposo António referentes ao período da deportação em Cabo Verde (1960-1961).
Maria Eugénia Neto nasceu em 1934, em Portugal, estudou desenho e línguas estrangeiras e participou nos coros do Conservatório Nacional Português.
Publicou os seus primeiros poemas e artigos na imprensa portuguesa.
Em 1948, num círculo de intelectuais africanos conhece Agostinho Neto, com quem viria a casar-se 10 anos depois.
Durante a luta armada de libertação contribuiu intensamente na divulgação de poemas em programas de rádio e com artigos e poemas em jornais no estrangeiro.
Entre outras obras, Maria Eugénia Neto publicou “...E nas florestas os bichos falaram”, “Foi esperança e foi certeza” e “O soar dos kissanges”.