Durante cerca de 25 anos, a jornalista brasileira que descobriu, gostou e passou a investigar a música de Cabo Verde ou feita por cabo-verdianos ou sobre Cabo Verde pensou que era hora de colocar o acervo que ela guardou à disposição de todos.
Depois do livro Cabo Verde e a Música – Dicionário de Personagens, lançado em 2016, e de uma tese de doutoramento sobre as músicas europeias em Cabo Verde, Gláucia Nogueira lançou em Fevereiro o Cabo Verde & a Música – Museu Virtual, um projecto que ela espera acabar um dia.
A jornalista, antropóloga e investigadora tem a consciência do enorme desafio que tem pela frente ao tentar reunir num museu, ainda que virtual, materiais, peças e informações sobre um universo variado e muito disperso como o da música de e sobre Cabo Verde.
“Não sei quando acabará e se acabará porque a música de Cabo Verde é muito dinâmica “, afirma a Gláucia Nogueira que, no futuo, “gostaria de ver o museu como um centro de referência no espaço online, sobre tudo o que diga respeito à música cabo-verdiana, géneros, personagens, instrumentos, construtores de instrumentos, histórias, memórias, documentos de arquivos, recortes de jornais, em que as pessoas poderão saber que quando precisarem de alguma informação sobre a música elas poderão encontrar uma informação rigorosa, com respeito pelas fontes e, ao mesmo tempo, numa perspectiva mais lúdica, para o seu entretenimento, como ouvir músicas preferidas”.
Toda a peça tem uma história
“Um mundo a explorar”, é como Nogueira antevê essa passadeira que coloca à frente do público “com um linguagem abrangente, tanto para um estudante do liceucomo para um investigador universitário, jornalista, etc.”.
Convidada do programa Artes, da VOA, a investigadora conta que a ideia do museu virtual surgiu por volta de 2017, após o lançamento, no ano anterior, da obra Cabo Verde e a Música – Dicionário de Personagens.
“Com o tempo e com as pessoas a pedirem por uma actualização do dicionário, fiquei entre avançar com um dicionário online ou uma segunda edição do livro, então vi que havia já um mundo a descobrir no online”, lembra Gláucia, que para tal recorre ao seu arquivo “de cerca de 25 anos, com recortes de jornais, cartazes, bilhetes de entrada para espectáculos…”.
É que, para Gláucia, “qualquer peça que sirva para contar uma história é uma peça”.
Quem entrar no museu – www.caboverdeamusica.online - tem acesso a personagens, expressões musicais, instrumentos, discografia, bibliografia, para além de conteúdos interativos e pedagógicos como jogos e quizzes.
Mas que tipo de música vamos encontrar, perguntei na intenção de saber sobre “filtros” na hora de seleccionar as peças para o museu.
As ilhas, os cabo-verdianos e a música
A antropóloga tem uma opinião clara e pessoal sobre a música de e sobre Cabo Verde, feita ou não por cabo-verdianos, nas ilhas ou na diáspora, que, como explica, surgiu aquando da elaboração do dicionário.
“Não é apenas música de Cabo Verde que os cabo-verdianos fazem e também não são apenas os cabo-verdianos que fazem música de Cabo Verde (…), não há um denominador comum para a música praticada pelos cabo-verdianos e através do mundo”, diz,porque a “relação dos cabo-verdianos com a música é muito complexa (…) na visão que eu tenho, sim, estão os géneros tradicionais, mas também do rock, do rap, do reggae, as influências damúsica brasileira que são muito fortes, como o samba, temos de estar abertos e não podemos fugir disso”.
Em resumo, é a cabo-verdianidade na sua profusa e variada expressão musical.
No início da década de 1990, estando a trabalhar em Portugal, Gláucia Nogueira começou a colaborar em regime free lancer com um jornal cabo-verdiano, sobre temas culturais, e depois passou a viver em Cabo Verde.
Por mais de duas décadas, tem investigado a música nas ilhas e na diáspora, suas influências, adaptações, personagens e instrumentos.
Há pouco tempo, a jornalista e antropóloga terminou o seu doutoramento com uma tese sobre as músicas e danças europeias do século 19 em Cabo Verde e como se instalaram e passaram a ser uma tradição do país.
“Em síntese, mostro como essas músicas chegam a Cabo Verde no século 19, assim como chegaram a outras regiões do mundo, e num primeiro momento eram tocadas nas festas, nos bailes das famílias abastadas ou nos Paços do Concelho num dia especial, ou seja, eram músicas da elite, mas quem tocava eram os tocadores de paus e cordas, os violinistas, os tocadores de viola e que eram, na verdade, homens do povo, e eles acabam por levar essas músicas para os espaços mais populares... e nesse processo eles foram tocando a música à sua própria maneira, introduzindo nelas o seu jeito de ser, e eles cabo-verdianizam as músicas europeias”, conta Nogueira.
Na tese que pretende adaptar para um livro a ser publicado no futuro, a investigadora acrescenta que essas músicas, “até a decada de 1940 estiveram em voga, mas desapareceram… e só depois da Independência, com um trabalho feito pelas organizações de massa de resgatar as tradições pipulares, então foram procurar os velhos tocadores de rabeca e pessoas que sabiam dançar, e isso foi reavivado… e então passaram a ser consideradas uma tradição de Cabo Verde”.
O Museu da Música é uma iniciativa da propria investigadora que, até agora, não teve qualquer apoio financeiro que, no entanto, é necessário para manter em pé e aprofundar um projecto deste calibre.
Por agora, Gláucia Nogueira lançou um crowfunding, um meio que permite a pessoas interessadas ajudar financeiramente a iniciativa e, como diz, “tenho esperança que até Abril haverá bons resultados”.
Acompanhe a entrevista aqui e conheça mais do Museu Virtual da Música de Cabo Verde:
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