Centenas de meninos foram sequestrados e usados como crianças-soldados pelo grupo de insurgentes ligado ao Estado Islâmico na província moçambicana Cabo Delgado em clara violação da proibição internacional para o abuso de crianças, denunciou na quinta-feira, 29, a Human Rights Watch (HRW).
Os relatos são consistentes com os das testemunhas que escaparam de uma base de treinamento do grupo, localmente conhecido por al-shaabab em Siri-1, e que descreveram à VOA a existência de “muitas crianças-soldados”, sequestradas para engrossar as fileiras dos insurgentes.
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“Lá (no campo onde esteve) a maioria são jovens e crianças, homens com 40 anos não existem lá, são quase em número de sete, os que têm 40 a 50 anos, de resto são ‘putos’ (crianças)” disse à VOA uma testemunha dos abusos refugiado em Macomia.
No seu relatório, a HRW escreve que o grupo armado sequestrou centenas de meninos, alguns com apenas 12 anos, treinou-os em bases em Cabo Delgado e os forçou a lutar ao lado de adultos.
O documento, que cita uma ex-criança-soldado e duas testemunhas dos abusos, avança que em Palma os pais disseram que viram seus filhos empunharem armas quando voltaram com outros combatentes para invadir sua aldeia.
Relatório peca por tardio, diz investigador
Duas outras mulheres disseram que al-Shabaab sequestrou seus filhos durante um ataque à Mocímboa da Praia em agosto de 2020, escreve o relatório da HRW.
“Usar crianças em combates é cruel, ilegal e nunca deveria acontecer”, disse Mausi Segun, director da HRW África.
“O al-Shabaab de Moçambique deve parar de recrutar crianças e libertar todas as crianças nas suas fileiras”, acrescentou.
Três mulheres que escaparam de uma base do Al-Shabaab em Mbau disseram que há “centenas de meninos” nas fileiras do grupo. “Eles se comportam como homens adultos, até mesmo escolhendo 'esposas' das garotas sequestradas”, disse uma mulher, citada no relatório.
“O uso crescente de crianças como combatentes pelo Al-Shabaab é o capítulo mais terrível da violência de Cabo Delgado. As autoridades moçambicanas devem tomar medidas para proteger as crianças, para que permaneçam com as suas famílias e na escola e não sejam exploradas como armas de guerra”, vinca Mausi Segun.
O Observatório do Meio Rural (OMR), que tem acompanhado o conflito em Cabo Delgado, relatou em ocasiões anteriores que meninos sequestrados estavam expandindo as fileiras dos grupos armados na área.
Em declarações à VOA, João Feijó, pesquisador e coordenador técnico do OMR, afirma que o relatório peca por ser tardio, mas aumenta as vozes dos que defendem uma intervenção social em Cabo Delgado para retrair a adesão nas fileiras dos insurgentes, por vias pacíficas e ou violentas.
“O envolvimento nas fileiras destes grupos processou-se de várias formas, quer através de adesão voluntária que aconteceu em determinado momento que este grupo tinha um grande domínio sobre a população e uma capacidade de recrutamento, e aconteceu por via de aliciamento, através de valores monetários e promessas falsas, quer da forma forçada (raptos)”, conclui João Feijó.
Contudo, observa que os esforços e as medidas utilizadas pelas forças governamentais no sentido de evitar o processo de adesão “parece que tem sido muito em torno dos apelos e avisos à vigilância", do que uma intervenção social com alternativas de sobrevivência para os jovens.