A Procuradoria da República na provincia moçambicana de Manica anunciou na quarta-feira, 13, ter instaurado 67 processos de uniões prematuras, um recorde de casos registados em oito meses naquela província moçambicana, que continua a assinalar um aumento preocupante de crianças que são entregues a adultos, três ou quatro vezes mais velhos, em troca de dotes.
Mãe de um filho, uma menor que falou com a Voz da América, diz usar a sua dolorosa experiência para desencorajar as uniões na sua comunidade.
Dados estatísticos do Ministério Público em Manica indicam que, de Janeiro a Agosto, foram tramitados 67 processos, incluindo uniões prematuras, auxílio a uniões prematuras, pagamento de dívida usando criança como moeda de troca, autorização efetiva e coação para união de crianças.
“Tramitamos 57 processos em torno das uniões prematuras, três relacionados com auxílio a união com crianças, um de entrega da criança em troca de dádiva, cinco processos de crime de autorização efetiva para união e um processo de crime de coação para união”, disse o procurador-chefe provincial de Manica.
Jorge Tivane, que que afirmou estar preocupado com os números de uniões prematuras, anotou, que pelos processos acusados “é nosso entendimento que há uma atuação positiva do grupo de referencia” para combate a uniões prematuras, trafico de pessoas e imigração ilegal na província.
“Dos processos instaurados 45 foram acusados e submetidos a instâncias formais para julgamento, 19 transitaram em julgado e três foram arquivados por várias razoes”, precisou Tivane, realçando a necessidade de dar o tratamento adequado nos tribunais aos casos sobre as uniões prematuras e violações de liberdade sexual.
Por sua vez, Abel Albuquerque, diretor provincial da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, destacou que os “magistrados precisam sentir na pele o sofrimento das vítimas e das comunidades quando julgam os processos de uniões prematuras”, por considerar que as uniões tiram o sonho das crianças e limitam o desenvolvimento do país.
Testemunhos na primeira pessoa
Em declarações à Voz da América, Claudia Naissone, agora com 15 anos, viveu os últimos três anos com um homem adulto.
Mãe de um filho, a menor diz que usa a sua dolorosa experiência para desencorajar as uniões na sua comunidade.
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“A todas as amigas com quem brinco aqui na zona e lá na escola, elas também conseguem ver, eu já lhes dou o meu próprio exemplo sobre o quão duro é uma união prematura”, enfatiza Naissone, acrescentando que servir sexualmente a um adulto foi a experiência mais difícil na sua vida.
Outra rapariga, Vaida Raposo, resgatada em 2022 de uma união prematura, conta à Voz da América que vive traumatizada com o medo de um dia voltar a ser submetida a união prematura, depois de escapar uma relação forçada com um homem três vezes mais velho.
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Ela foi entregue a um idoso pelos tios em troca de pagamento de dotes, em espécie, e teve de lavrar a terra, cozinhar para várias outras mulheres do marido e atender às suas necessidades sexuais.
“Eu tenho medo que ele venha me levar novamente para ir em casa dele. Eu já não quero”, conta Vaida Raposo, apesar do receio ser remoto porque a justiça dissolveu a união e condenou o homem a pagar pelos danos emocionais causados na rapariga.
Associações pedem celeridade processual
Entretanto, organizações da sociedade civil em Manica que lutam para travar as uniões prematuras pedem celeridade processual nos casos de uniões prematuras e a proteção das vitimas, para encorajar mais denúncias.
“Que seja melhorada a qualidade de assistência às vítimas e suas famílias, com observância dos padrões mínimos de atendimento e seja reforçado o mecanismo da salvaguarda das vítimas, testemunhas e denunciantes dos casos”, pede Ana Dulce Guizado, que defende assim maiores resultados que desencorajem as uniões prematuras.
Em Moçambique continua alta a taxa de uniões prematuras.
Quatro em cada 10 raparigas estiveram numa união precoce antes dos 18 anos, revela um novo estudo do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) divulgado em Julho.
O documento indica que as uniões prematuras estão frequentemente associadas com a gravidez na adolescência e três de raparigas em uniões precoces em Moçambique são mães aos 14 anos de idade.