PR de Cabo Verde: "A nação inquieta-se e indigna-se com o inegável retrocesso em sectores vitais"

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José Maria Neves, Presidente de Cabo Verde, Praia, Cabo Verde, 26 Abril 2023

José Maria Neves diz haver desgoverno e  que, com frequência, "a verdade é asfixiada em nome de uma verdade oficial e de um pensamento único”.

O Presidente de Cabo Verde afirmou que o país vive um momento de inegável retrocesso, apontou o desgoverno existente e descreveu um clima preocupante e persistente de excessiva partidarização do espaço público no arquipélago.

Numa comunicação ao país nesta quarta-feira, 26, na cidade da Praia, José Maria Neves disse que "em muitos aspectos temos claramente descoordenação entre instituições, departamentos governamentais no desenho e na implementação de políticas públicas", factos que a sociedade cabo-verdiana tem constatado.

Depois de ouvir os partidos políticos com representação parlamentar, especialistas, economistas e várias personalidades independentes sobre diferentes aspectos das políticas públicas em Cabo Verde, ao falar ao país, Neves assinalou que, "legitimamente, a nação inquieta-se e indigna-se com o inegável retrocesso em sectores vitais ao nosso Estado arquipélago".

Falta de maturação das políticas

"Verifico com preocupação que são tomadas decisões cujo propósito e cuja lógica não se entendem, principalmente quando tudo levava a crer que medidas iam ser tomadas e elas até já haviam sido anunciadas, mas eis que as instituições públicas recuam e se apequenam”, apontou.

Para o Presidente, "é consensual que há contradições, descoordenação, ruídos nos discursos públicos e na forma como determinados contratos e determinadas políticas têm sido abordados pelas autoridades nacionais", em clara referência à recente crise no sector dos transportes terrestres.

Ao denunciar falta da maturação das medidas com vista à sua implementação, José Maria Neves afirmou que "Cabo Verde não pode dar-se ao luxo da experimentação como método de gestão do interesse público", o que, para ele, "é deplorável, é custoso, descredibiliza os serviços públicos, a política e os políticos, além de levar ao desgaste e ao cansaço das instituições”.

Excessiva partidarização do espaço público

No entender do antigo primeiro-ministro entre 2021 e 2016, o combate à pobreza e às desigualdades "não autoriza a continuar nesta mesmíssima forma de gerir o interesse público e a marca da razoabilidade não deve nunca ser forçada muito menos transposta".

O debate político actual ou a falta dele também mereceu a atenção do Presidente cabo-verdiano que na sua mensagem diz constatar "um clima preocupante e persistente de excessiva partidarização do espaço público"

"Assistimos a uma disputa política permanente que sufoca a sociedade, este ambiente é permeável ao clientelismo e ao medo, com as pessoas a serem escolhidas para cargos públicos e promovidas, menos pelo mérito e mais pelas suas relações de amizade ou pela sua lealdade a partidos”, afirmou Neves, sublinhando que, com frequência, "a verdade é asfixiada em nome de uma verdade oficial e de um pensamento único”.

O Chefe de Estado reiterou que a ninguém é reservada a exclusividade da verdade.

"Sobretudo nestes tempos de comunicação escorregadia e de verdades alternativas, urge que os poderes públicos deem permanentes provas de serenidade e firme defesa das regras e valores da sociedade democrática, desde logo os atinentes à livre expressão do pensamento, das ideias, da palavra”, defendeu Neves, para quem “o eleitoralismo, mas também o ‘curtoprazismo’, têm de ser rejeitados”.

O Chefe de Estado cabo-verdiano fez também um apelo a uma profunda análise da situação actual, arrepiar caminho e encetar mudanças radicais.

“Como Presidente da República é meu dever indeclinável e de forma insistente apelar ao consenso, ao respeito pela diversidade de opiniões e à união no seio da nação. A crispação política é um vírus que leva à polarização, ao populismo, ao extremismo e à intolerância. Urge poupar Cabo Verde de solavancos desnecessários e evitáveis”, concluiu José Maria Neves.

A mensagem do Presidente cabo-verdiano surge depois do Governo anunciar novos preços dos transportes marítimos, o que provocou muitos protestos, levando o Executivo a recuar em parte, ao mesmo tempo que no sector dos transportes aéreos a situação é muito deficitária