Os militantes curdos declararam sábado, 1, um cessar-fogo com a Turquia, na sequência de um apelo histórico do líder do PKK, Abdullah Ocalan, que pediu ao grupo para se dissolver e pôr fim a mais de quatro décadas de luta armada.
Esta foi a primeira reação do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) depois de Ocalan ter apelado, esta semana, à dissolução do grupo e de lhe ter pedido para depôr as armas.
“A fim de abrir caminho à aplicação do apelo do líder Apo à paz e à sociedade democrática, declaramos hoje um cessar-fogo efetivo”, declarou o comité executivo do PKK, referindo-se a Ocalan e citado pela agência noticiosa ANF, pró-PKK.
“Concordamos com o conteúdo do apelo tal como está e afirmamos que o seguiremos e implementaremos”, declarou o comité sediado no norte do Iraque. “Nenhuma das nossas forças entrará em ação armada, a menos que seja atacada”, acrescentou.
O PKK, considerado um grupo terrorista pela Turquia, pelos Estados Unidos e pela União Europeia, tem-se insurgido desde 1984 com o objetivo de criar uma pátria para os curdos, que representam cerca de 20% dos 85 milhões de habitantes da Turquia.
Mas, mais recentemente, o grupo tem apelado a uma maior autonomia e a direitos culturais e linguísticos, em vez da independência.
Desde que Ocalan foi preso em 1999, tem havido várias tentativas para pôr fim ao derramamento de sangue, que já custou mais de 40.000 vidas.
Após vários encontros com Ocalan na sua ilha-prisão, o partido pró-curdo DEM transmitiu na quinta-feira o seu apelo para que o PKK deponha as armas e convoque um congresso para anunciar a dissolução da organização.
O PKK disse no sábado que estava pronto para convocar um congresso como Ocalan queria, mas “para que isso aconteça, deve ser criado um ambiente seguro adequado” e Ocalan “deve dirigir e liderar pessoalmente para o sucesso do congresso”.
Síria mais estável
O grupo também disse que as condições de prisão de Ocalan devem ser aliviadas, acrescentando que ele “deve ser capaz de viver e trabalhar em liberdade física e ser capaz de estabelecer relações sem obstáculos com quem quiser”.
O vice-presidente da Turquia, Cevdet Yilmaz, afirmou que “uma nova fase” começou para alcançar o objetivo de uma “Turquia sem terror”, sem fazer qualquer menção à declaração do PKK.
“A dissolução da organização terrorista sem qualquer negociação significa um novo ambiente e um novo período em termos de desenvolvimento e democracia, bem como de segurança”, escreveu no X.
Os analistas afirmam que o estabelecimento de tréguas com o PKK seria benéfico para a Turquia e também para a Síria, onde o homem forte Bashar al-Assad foi deposto no final do ano passado, após uma longa e sangrenta guerra civil.
“Um acordo de paz com o PKK poderá facilitar a reunificação e o estabelecimento de uma Síria mais estável”, disse à AFP Anthony Skinner, diretor de investigação da Marlow Global.
Um apoiante faz um sinal de vitória depois de o líder do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) Abdullah Ocalan, 75 anos, ter apelado ao desarmamento e à dissolução do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), a 27 de fevereiro de 2025.
“Trata-se de um objetivo fundamental para o Governo turco, que se vê confrontado com a ameaça permanente da migração em massa transfronteiriça e do terrorismo”, afirmou.
O exército turco, que tem tropas destacadas no norte da Síria, efectua regularmente ataques em zonas controladas pelas forças curdas sírias que considera “terroristas” ligadas ao PKK.
Bayram Balci, analista da Universidade Sciences Po de Paris, afirma que o PKK está consciente de que o contexto regional mudou.
Os combatentes curdos da Síria “já não têm o apoio de Assad, talvez já não tenham o forte apoio dos americanos”, afirmou.
“A ameaça do Daesh ainda existe, mas não é tão forte como antes. E há também uma espécie de cansaço”, acrescentou, referindo-se ao grupo IS.
Oportunidade histórica
Após o fracasso da última ronda de negociações de paz em 2015, não houve mais contactos com o PKK até outubro, quando um nacionalista de linha dura aliado do Presidente Recep Tayyip Erdogan ofereceu um gesto de paz surpresa se Ocalan rejeitasse a violência.
Erdogan disse na sexta-feira que o apelo de Ocalan era uma “oportunidade histórica”, acrescentando que a Turquia iria “manter-se atenta” para garantir que as conversações para acabar com a insurreição fossem “levadas a bom porto”.
Enquanto Erdogan apoiava a aproximação, o seu governo aumentava a pressão sobre a oposição, prendendo centenas de políticos, activistas e jornalistas.
O Iraque saudou o apelo de Ocalan, afirmando que se tratava de “um passo positivo e importante para alcançar a estabilidade na região”.
A presença do PKK no Iraque tem sido uma fonte recorrente de tensão entre Bagdade e Ancara.
O grupo ocupa posições na região autónoma do Curdistão iraquiano, onde a Turquia também mantém bases militares e realiza frequentemente operações terrestres e aéreas contra os militantes curdos.