A menos de um mês da entrada em vigor do novo pacote de ajuda do Fundo Global (FG) para o combate ao HIV/SIDA, malária e tuberculose em Angola, organizações nacionais denunciam exclusão das atividades comunitárias e afirmam que o programa avaliado em dezenas de milhões de dólares está confinado a organizações estrangeiras que, segundo dizem, desconhecem a realidade do país.
Em nota de repúdio endereçada à ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, estes atores sociais afirmam que Angola vai, nestes moldes, aproveitar mal os 126 milhões de dólares previstos.
Benguela, uma das três províncias beneficiárias, tal como o Kwanza Sul e Bié, funcionou como exemplo do que os 33 subscritores chamam de desperdício, numa alusão a mais de 900 pacientes que abandonaram o tratamento das doenças, por diversas razões incluindo falta de transporte e também por falta de alimentação.
O ativista Adérito Chiúca, líder da Associação Luta Pela Saúde (ALPS), diz que a implementação está a cargo das chamadas sub-receptoras, a ADPP e a World Vision, estrangeiras, e salienta que não há conhecimento das dinâmicas nas comunidades.
Ao questionar o fator transparência na gestão dos fundos nos próximos três anos, ele sublinhou que esta dupla procura recrutar técnicos de organizações nacionais, mas avisou que não é a mesma coisa
“Isso não se admite, estamos a ser engolidos pelas [organizações] internacionais, está a morrer muita gente de SIDA, malária e tuberculose, mas o Governo está a investir milhões e milhões sem estar preocupado com o auto-abandono”, refere o líder associativo.
“Sem a componente comunitária, todo trabalho vai por água abaixo”, disse fazendo notar que que as organizações locais poucos fundos recebem do programa.
“Exemplo, no primeiro pacote foram 106 milhões de dólares, mas a sociedade civil não gastou sequer 3 milhõe”, disse.
A activista Beatriz Lemos, coordenadora da Ekumbi Ombaka, organização que congrega mais de trezentas mulheres vivendo com o HIV/SIDA, em Benguela, fala em mortes e desistências por falta de trabalho comunitário.
“Tenho companheiras que estão a morrer, muitas morreram no ano passado e neste ano, há fome e discriminação”, disse.
“As organizações que recebem este fundo não fazem cobertura total nas comunidades, por isso vemos muita desistência, as mortes”, indica, acrescentando que “a Ekumbi está a morrer, sem apoio vamos libertar as mulheres para fazerem o que quiserem das suas vidas”.
Sem ter comentado o teor da carta, fonte do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), entidade receptora das verbas, considerou legítima a preocupação de organizações que, como recordou, trabalharam na apresentação de propostas desde o primeiro pacote de ajuda, há quase cinco anos.
A VOA tentou obter uma posição do Ministério da Saúde, através do Gabinete de Comunicação Institucional e de Imprensa, mas sem sucesso, pelo menos até ao envio desta peça.
Entretanto, em sentido contrário ao parecer apresentado nesta terça-feira, 4, pelos activistas, a ministra Sílvia Lutucuta fez saber, recentemente, que esta subvenção ajuda a reforçar o sistema de saúde
“Estamos a falar das grandes endemias, esta subvenção é sub-nacional, um apoio na totalidade para programas nas três províncias, com o incremento do fortalecimento do sistema de saúde”, disse a governante.
Este pacote de ajuda começa a ser implementado a 1 de Julho, sendo que nesta altura está a ser concluído o financiamento anterior.
O Fundo Global decidiu mudar a estratégia, inserindo as figuras de receptor e sub-receptor, depois das suspeitas de desvios de fundos para a malária, num processo que levou a tribunal o antigo ministro da Saúde, José Vandúnem, e altos funcionários do sector.