Emergem receios de que grandes empresas angolanas passem a estar à sombra de outras nas obras por ajustes directos, como acontece precisamente com a Omatapalo, entre as mais solicitadas nesse modelo de contratação, na construção de um hospital materno infantil na província de Benguela.
Um mês após a solicitação de esclarecimentos sobre o que se considera ser esquema para contornar a crítica, com contornos adversos à Lei da Contratação Pública, prevalece o silêncio da construtora, quando o Governo reconhece que é preciso limitar a contratação simplificada.
A Omatapalo, ligado ao governador de Benguela, Luís Nunes, está a fazer trabalhos preliminares para dar início à construção, no município da Catumbela, de um hospital materno-infantil, mas é uma outra firma, a Wedo, ainda sem historial na construção em Angola, que surge como empreiteiro na placa descritiva exigida por lei.
O jurista Domingos Chipilica Eduardo desconfia do que chama de simulação.
“No sentido de ocultar a verdadeira empresa responsável pela construção do hospital, porquanto a subcontratação é também uma forma de ocultar a originalidade da empresa incialmente contratada. Em termos políticos, é uma táctica muito bem alicerçada”, refere o advogado.
Por acreditar haver casos similares por esta Angola, o consultor social João Misselo da Silva lembra ser preciso observar com rigor a Estratégia Nacional de Prevenção e Repressão da Corrupção (ENAPREC), que impõe limitações nos ajustes directos
“O fundamental, agora, é haver uma mudança do ponto de vista comportamental, uma vez que há um desalinhamento entre aquilo que o Presidente evoca como vontade política e a prática, o cumprimento das leis”, vinca aquele consultor.
Nem o Grupo Omatapalo, que aumenta presença em Benguela, com interesses também nos sectores da hotelaria e das pescas, nem a Wedo, com menos de dois anos no país, prestaram esclarecimentos solictados pela Voz da América.
Apesar de assumir uma postura de político, embora reconhecendo a sua proveniência como empresário, Luís Nunes está ligado à Omatapalo, uma Sociedade Anónima (SA) que foi alterando a sua estrutura societária nos últimos tempos, com entradas e saídas de sócios.
O governador de Benguela, antigo Presidente do Conselho de Administração, surge como sócio em empresas que fazem parte do Grupo, como é o caso da Siema, Sociedade de Instalações Eléctricas e Mecânicas, ao lado de um sócio maioritário, segundo registos oficiais.
A Voz da América abordou Luís Nunes a propósito dos ajustes e de uma pretensa privilegiada relação com o Presidente João Lourenço.
“O senhor Presidente tem essa prerrogativa [aprovar ajustes directos], e vocês já repararam que isso até agiliza os programas. Se você fizer … porque a maior parte destas contratações é quando as pessoas trazem os seus financiamentos, têm o direito de escolher os sub-empreiteiros. Isso só beneficia Angola”, opina o governante, acrescentando que “sou chegado ao Presidente como todos os angolanos são, ele olha para todos, é igual, neste momento sou político que trabalha por Benguela”.
O Presidente João Lourenço tem sim a prerrogativa a que se refere Luís Nunes, mas o problema, aponta o economista Carlos Rosado, com dados oficiais de 2022, é uma inversão do que está legislado
"Noventa e um por cento dos contratos foram por ajuste directo. Mais uma vez aí não é problema da lei, é uma má utilização dela, sendo o concurso público uma regra e a contratação simplificada uma excepção. Aparentemente, o próprio Presidente, viola a lei, a julgar pela carta da ministra das financas”, salienta Rosado.
Para além de limitações na contratação simplificada, a ENAPREC tenciona, entre outros objectivos, colocar o cidadão a acompanhar a execução do Orçamento Geral do Estado, garantir de forma efectiva a liberdade de imprensa.
A contratação simplificada para o hospital na Catumbela teve inicialmente como empreiteiro, conforme as placas descritivas, todas sem qualquer referência a valores, o Grupo OPAIA, agora substituído pela Wedo.