Moçambique: Relatório da Total Energies pode embaraçar autoridades por apontar causas internas da insurgência, analistas

Hospital de Quissanga - atacado por insurgentes, Cabo Delgado

Analistas em Maputo dizem que o relatório sobre a segurança e direitos humanos em Cabo Delgado, bem como as acções do projecto de gás da TotalEnergies, não descreve uma situação tão negativa, mas é embaraçoso para o Governo ao reafirmar que o conflito naquela província tem causas internas, nomeadamente, a exclusão social, falta de emprego para juventude e baixo nível de desenvolvimento.

O relatório, divulgado esta terça-feira, 22, apresenta um conjunto de conclusões e aponta falhas do consórcio no seu papel de desenvolvimento da província.

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Moçambique: Relatório da TotatEnergies pode embaraçar autoridades por apontar causas internas da insurgência, analistas

O analista Fernando Lima afirma que, tomando em conta as expectativas de que seria muito critico relativamente aos direitos humanos, é um relatório positivo, uma vez que não descreve uma situação tão complexa e negativa, e reconhece melhorias na questão humanitária e na situação de segurança.

Lima diz que as recomendações que o relatório faz, “parecem-me plausíveis, nomeadamente a criação de uma Fundação com um orçamento anual de 200 milhoes de dólares, para lidar com questões de desenvolvimento, não só na zona de gás e petróleo, mas para toda a província de Cabo Delgado”.

Ele considera uma situação normal a idéia do corte da relação entre aTotal Energies e as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), uma vez que a segurança tende a normalizar-se, e nesse sentido, tal não deve ser especial, mas no contexto de que as forças armadas têm sob sua responsabilidade a soberania de todo o território nacional.

Para aquele analista, isto significa que as forças armadas devem estar em Afungi, em Mocimboa da Praia, em Ancuabe, em Montepuez e em Pemba, “e que não se justifica uma situação especial para a área do acampamento do gás, e este é o racional da argumentação do relatório”.

Contudo, não se sabe se a TotalEnergies vai abraçar o modelo de desenvolvimento proposto no relatório.

Emprego, formação e educação

Lima sublinha que é preciso ser cauteloso, mas tendo em conta as acções que a companhia já está a desenvolver quer em Palma, quer em Mocimboa da Praia, tudo leva a crer que esteja disposta a avançar com esse modelo, tanto mais que há a componente de responsabilidade social das empresas em áreas onde actuam.

“Parece-me coerente com aquilo que a TotalEnergies tem vindo a fazer, para além de que a companhia, em termos práticos está a tentar corrigir questões que não foram acauteladas inicialmente em Cabo Delgado, incluindo por parte do Governo de Moçambique e que, eventualmente, levaram a aumentar as causas que provocaram a violência naquela província”, enfatiza.

Na sua perspectiva, as expectativas que as populações de Cabo Delgado têm em relação a estes projectos são de que devem beneficiar deles em termos de emprego, formação, educação e melhores condições sociais, “e, portanto, uma recomendação dessa natureza é do próprio interesse da TotalEnergies”.

Por seu turno, o analista João Feijó destaca o facto de o relatório afirmar que o conflito em Cabo Delgado tem razões internas da sociedade moçambicana, relacionadas com a exclusão, anotando que isto é contrario aquilo que era a perspectiva inicial do Governo de Moçambique e que mais tarde começou a admitir que este problema estava patente.

Valor irrisório

“O relatório contribui agora para um consenso mais alargado de que há problemas de desemprego, de exclusão e de desenvolvimento, e para o Governo acaba por ser embaraçoso nesse sentido”, realça aquele analista, considerando, no entanto, insignificante o orçamento anual de 200 milhões de dólares.

“Esse valor é irrisório”, diz João Feijó, acrescentando que 200 milhões de dólares para uma província com mais de 10 distritos porque significa que serão 20 milhões de dólares ou menos por cada distrito, e isso é muito pouco tendo em consideração que há distritos com mais de três milhões de pessoas.

A outra questão é a forma como esse fundo será gerido num país como Moçambique, pois, grande parte da verba vai ficar para a área administrativa, para pagamento de salários, compra de computadores, de carros 4X4, gasolina, etc., “enfim isto vai fazer com que apenas um valor simbólico chegue à população”.

Para Feijó, 200 milhões de dólares representam apenas 10 por cento do montante das dívidas ocultas e talvez um terço do custo da ponte Maputo-KaTembe.

Noutra leitura, o analista Egídio Vaz considera que com o fundo proposto e outras iniciativas em curso, “Cabo Delgado tem pernas para andar e para subverter a tendência negativa dos últimos quatro anos muito rapidamente”.

Tentamos, sem sucesso, ouvir a reação do Governo ao relatório, mas o analista Fernando Lima diz duvidar que a avaliação do Executivo seja positiva, porque o documento tem muitos pontos que, indirectamente são críticos à sua actividade.

“Mesmo a criação de uma fundação que tem como indicadores uma grande independência, não sei se o Governo gosta desse tipo de coisas”, realça.