Milhares de ex-guerrilheiros da Renamo, principal partido na oposição em Moçambique, mostram-se insatisfeitos com o incumprimento na fixação das pensões para sua sobrevivência na passagem para a vida civil, promessas feitas pelo Governo no âmbito do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) social, alertando que a frustração pode ameaçar a Paz no país.
Moçambique celebra nesta terça-feira (4), 30 anos do Acordo Geral de Paz (AGP), assinado em Roma entre o Governo da Frelimo e a Renamo.
Alguns ex-combatentes da antiga guerrilha ameaçam regressar às matas caso o acordo continue a falhar.
Outros dois acordos, de cessação das hostilidades militares e de paz e reconciliação nacional, o último em 6 de Agosto de 2019, de que é parte o DDR, foram assinados para colocar fim a ciclos de violência armada entre as duas partes.
Em declarações à VOA, vários ex-combatentes julgam que foram “aliciados e abandonados”, com quase todas as promessas não cumpridas pelo Governo desde que regressaram à vida civil, sendo que alguns já há dois anos, estando a sobreviver acumulando dividas nas aldeias que lhes acolhem.
“Muitos de nós tem família por sustentar, e não temos nenhuma fonte de renda, e isso está a tornar difícil a nossa sobrevivência”, disse Manuel Chaguiro, ex-guerrilheiro da Renamo de Nhamatanda (Sofala), insistindo que a comunidade olha para eles com algum receio, por medo de “nos tornarmos assaltantes nos bairros”.
Incumprimento de promessas
Entre as promessas, adiantam, os combatentes desmobilizados deviam receber uma pensão de sobrevivência paga pelas Nações Unidas através do Governo durante um ano e após, este período, os ex-guerrilheiros passam a receber uma pensão vitalícia do Estado.
Além de atribuição de talhões em áreas urbanas, os ex-guerrilheiros deviam receber kits de ferramentas e fundos para desenvolver projetos de geração de renda, na área de vocação.
Outro ex-combatente de Manica, João Ruben, conta que parte dos ex-guerrilheiros “venderam o material de construção entregue durante a desmobilização” para conseguirem sobreviver com as famílias nas cidades.
A insatisfação ganhou um novo tom durante a Conferência das Mulheres sobre Paz e Segurança, que reuniu-se nesta semana na Beira, a capital de Sofala, parte das mais de 250 desmobilizadas da Renamo que passaram para a vida civil.
Antonieta Gonçalves, ex-guerrilheira da província de Tete, diz que trocou o fuzil de assalto AK47, que usou por vários anos na guerrilha, por uma vida urbana, mas a equação de sobrevivência tem-se complicado desde que o Governo deixou de atribuir o subsídio, previsto para um período de um ano, antes da fixação da pensão vitalícia.
“Quando fomos desmobilizados, prometeram-nos que íamos receber subsídios durante um ano e depois disso iam por dinheiro de pensão automática, mas até agora não está a acontecer. Tinham-nos prometido que íamos ter projetos e aqueles que têm filhos, iam dar bolsas de estudos para os nossos filhos, mas não há nenhum projeto que eu tenha visto aqui na cidade pelo menos”, explica Antonieta Gonçalves.
Preocupação da embaixadora sueca
Entretanto, a embaixadora da Suécia, Mette Sunnergren, que ouviu o desagrado das ex-guerrilheiras, considera que a exclusão, particularmente das mulheres no processo de DDR, pode comprometer a ambição da paz duradoura em Moçambique.
Para a diplomata, é preciso estar ciente “de que não é possível alcançar a paz duradoura enquanto as mulheres, que são a maioria, forem excluídas no processo”.
A representante do país que financia o DDR reconheceu que o Governo e parceiros precisam mobilizar recursos para assegurar a implementação do processo em Moçambique.
Em Agosto, durante o encerramento da antiga base da RENAMO em Montepuez, na província de Cabo Delgado, o enviado especial do secretário-geral da ONU, Mirko Manzoni, revelou que o processo de DDR já havia atingido cerca de 77% dos beneficiários.
Do total de 16 bases da antiga guerrilha, restam apenas três por desactivar.