Morreu o músico moçambicano Chico António

  • Amâncio Miguel

Chico António. Foto gentilmente cedida por Yassmin Forte

Morreu, hoje, 13, em Maputo, o músico moçambicano Chico António, aos 66 anos de idade.

Chocados, artistas e fãs recorrem ao Facebook para render homenagem a Chico António, que passou a semana internado no Hospital Central de Maputo.

Eis algumas mensagens:

“Até sempre, Chico! O teu legado é enorme” – Stewart Sukuma.

“Chico António, será uma eterna referência” - João Ribeiro, cineasta.

“Vamos voltar a juntar os nossos espíritos e corpos. Algures vamos ter esse espírito de festa. Me espera ai mesmo” - Filimone Meigos, poeta.

Da rua aos grandes palcos

Nascido, em 1958, em Magude, um distrito rural da província de Maputo, passou a viver na então cidade de Lourenço Marques, aos seis anos. Inicialmente nas ruas, como menino sem teto, após escapar da dura tarefa diária de pastar 50 bois, 30 cabritos e 10 ovelhas.

A fuga de Magude, de comboio, foi na sequência do desaparecimento, por ter adormecido na pastagem, de metade do gado. Chico António temia represálias do pai. Nunca mais voltou a ver os seus pais.

Essa fase da sua infância é retratada na canção João Gala Gala, do seu único disco, “Memórias”. Nela, Chico canta: “Joao Gala Gala, idade escolar, está pedindo esmola no ponto final, todos os dias são iguais, faça frio, faça calor, faça chuva, faça sol (...) o futuro do João Sofrimento não passará duma tosca palhota (...) a não ser que venha o vento sul trazer-lhe uma varinha mágica para não ser vagabundo...”

Chico livrou-se da possibilidade de ser vagabundo em 1964, ao ser adoptado pelo casal José Ferreira dos Santos e Lili Ferreira. Nesse ano, os seus pais adotivos conseguem um lugar para ele no internato da Missão São João de Lhanguene, da Igreja Católica, onde faz o ensino primário e a sua iniciação musical. Aos nove anos já era solista de um coro de 50 pessoas, aprendia trompete e solfejo. Iniciava a sua trajetória musical.

“Sou gregoriano,” disse Chico António numa entrevista, em 2014, referindo-se ao que aprendeu na Igreja Católica. “Fora da igreja, as minhas referências foram Xidiminguana, Wazimbo, Alberto Machavela, Osibisa, Fela Kuti, Third World, Jimmy Cliff, Manu Dibango, Sting, Uriah Heep, Led Zeppelin, The Police, Yes, Alice Cooper, entre outros.”

Tendo como base essas referências, no final da década de 1970, Chico segue como profissional de música, trabalhando em grupos como ABC – 78, Grupo Instrumental n°1 de música ligeira, RM e Orquestra Marrabenta Star de Moçambique. Com estes, atua em Moçambique, Cabo-Verde, Guiné Conacry, Zimbabwe, Dinamarca, França, Holanda, Inglaterra, Italia, Portugal, Suécia e Noruega.

Grupo RM

O Grupo RM foi indubitavelmente o mais importante para a sua projeção nacional e internacional. No grupo tutelado pela Rádio Moçambique, emissora nacional, Chico trabalha com alguns dos melhores músicos do país, com realce para Alexandre Langa, Sox, Alípio Cruz, Zé Mucavel, Zé Guimarães e Mingas. Era principal missão do grupo produzir música para as emissões de rádio.

Como integrante deste grupo, cria o tema “Baila Maria”, interpretado em dueto com Mingas. Em 1990, o tema conquista o grande prémio do concurso Descobertas, da Rádio França Internacional. No mesmo ano e na sequência do prémio, Chico vai a Paris aprofundar estudos em música.

“Na França, tive como tutor o grande saxofonista camaronês Manu Dibango. Tive aulas de técnicas de base de piano, arranjos musicais e gravação musical. Convivi com personalidades como Salif Keita ou Pierre Bianchi. Foram dois anos de formação intensiva e no final senti-me glorioso,” contou Chico. “O veterano saxofonista sempre aconselhou-me a concluir os estudos e regressar ao país para pesquisar e elevar os ritmos tradicionais de Moçambique.”

Como parte do prémio Descobertas, o Grupo RM teve o direito de gravar um disco. “Dei ao grupo o nome ‘Amoya’ e gravamos o disco ‘Cineta’, que foi lançado em 1991, em Paris,”disse Chico.

De regresso ao país, e seguindo o conselho de Manu Dibango, aposta na pesquisa de música tradicional e cria o Amoya, Studio and Art Gallery, e surgiram oportunidades de colaboração musical em produções audiovisuais e teatrais.

Em Fevereiro de 2013, Chico António junta-se ao Projecto Trânsito com Chude Mondlane, Edmundo Matsielane e Nico M’Sagarra. A ideia do grupo era contar musicalmente as diferentes experiências dos seus integrantes, usando expressões e instrumentos de diferentes origens.

Memórias

Em 2014, Chico António apresentou “Memórias”, e disse que “demorei lançar o disco, porque nunca estive interessado em trabalhar com gravadoras. Eu sou trompetista e estive detrás de muitos artistas. Gosto é de trabalhar com música”.

Questionado se não estava interessado em publicar mais discos, Chico respondeu: “Juro, alma do meu pai, não gosto da fama, nunca estive interessado na fama, apenas no trabalho. Fui pressionado pela sociedade a tirar este disco. Agora sei quanto custa e espero não voltar a fazer um CD.”

E não publicou outro disco.

Em termos de exibições, Chico passou os últimos anos em espaços pequenos, justificando que interação com o público é maior e ajuda a conhecer a realidade, porque “sou do povo, um artista que não for do povo nunca vai interpretar a sua bandeira. ”