Para a História: Documentos da DGS relatam avanço "imparável" da FRELIMO

Relatórios da polícia politica portuguesa avisavam de colapso das forças armadas portuguesas 10 meses antes de golpe de estado de 25 de Abril de 1974. Política colonial e militar foi criticada por oficial da DGS

Menos de um ano antes do golpe de estado militar de Portugal em 1974, um oficial da polícia política secreta portuguesa, DGS, avisou num relatório que o avanço da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) para o sul do país era “imparável”.

O documento, datado de 30 de Junho de 1973, é um de vários a que a Voz da América teve acesso datados de Abril de 1972 a 18 de Setembro de 1973 e que relatam em termos claros a deterioração da situação militar portuguesa em Moçambique e a incapacidade e desmoralização das forças armadas portuguesas antes do golpe de estado que abriu as portas à independência das ex colónias portuguesas em África.

Os documentos parecem assim confirmar a tese histórica de que o colapso do regime colonial português a 25 de Abril de 1974 se deveu à rapidez com que a situação se deteriorava em Moçambique o que aliado à perda de controlo na Guiné Bissau tornava a continuação da guerra insustentável. Isto apesar da situação em Angola estar militarmente controlada por Portugal.

Na altura a FRELIMO operava já no centro de Moçambique no que são hoje as províncias de Manica e Sofala e os relatórios indicam claramente que a sua infiltração na província de Inhambane e Gaza já tinha começado

Oficial da DGS critica política colonial e militar

Mas o documento de 30 de Junho de 1973 é também notório pelo facto do “chefe da sub delegação” da DGS na Beira, cuja assinatura é ilegível, tecer fortes críticas à política colonial portuguesa.

“Durante longas décadas da nossa permanência em África nunca nos preocupámos com a maneira de viver das populações”, diz o relatório deste oficial da então polícia política portuguesa que acrescenta que foi “o eclodir do terrorismo que nos obrigou e continua a ser a mesma circunstância que nos coage a tomar medidas adequadas”.

“Adequadas pensam-se porque na realidade o não são, devido ao atraso quer no tempo quer no espaço em que pretendemos pô-los em execução”, diz o documento que critica também depois o que era considerado um aspecto chave da estratégia militar portuguesa, nomeadamente a construção de “aldeamentos” para controlar as populações rurais e impedir o seu apoio á guerrilha da FRELIMO.

“Os aldeamentos que se reputam de absoluta utilidade e necessidade para um perfeito controlo da população, nos moldes em que estão a ser executados não constituirão solução para o grave problema que nos aflige”, diz o documento que afirma ainda que a população “já de si ávida de se libertar do governo português deixa-se dominar pelo feitiço das quiméricas promessas que a FRELIMO lhe faz e entrega-se ao trabalho de subversão mais ou menos ousadamente” devido ao facto das forças da Frelimo “não sentirem a mão castigadora de quem lhe é adverso”.

O relatório de 17 páginas afirma que a construção dos aldeamentos “já não constituirá solução e se outras medidas não forem urgentemente tomadas hão-de contribuir imenso para a expansão da subversão não só no distrito (hoje província de Sofala) que poderemos considerar quase todo afectado mas sobretudo no seu imparável avanço par ao sul do rio Save”.

O chefe da delegação da DGS considera que isto se deve à “falta de actividade operacional das NT” (Nossas Tropas).

DGS considera “mentalização” da FRELIMO bem preparada

O relatório relata também “o trabalho de mentalização” da FRELIMO junto das populações que diz ter sido “devidamente preparada e bem orientada e que está agora a dar os seus frutos em toda a sua extensão e intensidade demonstrando que tem o terreno preparado para cumprir o seu programa de avanço para áreas de onde jamais retrocederá”.

O relatório cobre o período de 15 a 30 de Junho de 1973 e que nesse período se regista “um avanço efectivo da subversão rumo ao Sul” e relata o colapso da moral entre a população portuguesa que “critica severamente as forças armadas a quem a população responsabiliza impiedosamente pela actual situação política e por todos os males que daí advêm”.

A população portuguesa, diz o documento “não debanda em massa para a Metrópole porque as dificuldades de transferência de fundos não lho permitem”.

O relatório foi lido por um superior que escreveu à mão no topo do mesmo: “Nem sempre bem redigido, algo confuso e livrado de certo pessimismo”.´

Em dois relatórios posteriores o mesmo “chefe da subdelegação” da Beira relata a deterioração “a passos agigantados” da situação político-militar que “cria sérios embaraços às forças da ordem”, avisando do possível início de guerrilha urbana na cidade da Beira.

“A subversão atingiu já acidade da Beira onde o IN (Inimigo) se manifestou quer com disseminação de propaganda quer com acções violentas sobre elementos da população”, diz o relatório do período entre 1 e 15 de Setembro de 1973 que comenta “ o extraordinário à vontade do IN em se basear a poucos quilómetros da Beira …. sem o mínimo de receio das NF o que só é compreensível pela consciência tomada da inactividade das NF”.

O relatório termina descrevendo “a moral do IN” de “óptimo”.

Estes relatórios parecem não ter sido bem recebidos pelos superiores do chefe da sub delegação da Beira.

Pelo menos o relatório de 30 de Junho de 1973 foi lido por um superior também de assinatura ilegível que escreveu à mão no topo do mesmo: “Nem sempre bem redigido, algo confuso e livrado de certo pessimismo”.