Lourenço reitera combate à corrupção, mas resultados não agradam

Presidente da Angola João Lourenço durante uma conferência de imprensa no palácio presidencial da Casa Rosada, no âmbito da visita do Presidente da França Emmanuel Macron, em Luanda, a 3 de Março de 2023.

Observadores apontam poucos casos levados ao tribunal e altos responsáveis ilibados ou com processos sem transitar em julgado

O Presidente angolano voltou a assegurar que o combate à corrupção no país continua com a mesma intensidade que começou, passados oito meses de seu segundo mandato, mas analistas consideram tratar-se de “discurso político” que visa esconder o fracasso do combate ao fenómeno.

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Combate à corrupção em discussão – 2:28


“O mesmo empenho com que imprimimos na luta contra a corrupção no início do nosso mandato, esse empenho mantém-se. Nada mudou”, disse João Lourenço em recente entrevista à imprensa francesa.

O estadista precisou que “nós propusemos aquilo que era considerado normal, por algo que não era normal na altura, que era combater a corrupção. Nunca se combateu a corrupção, a corrupção só está a ser combatida agora no meu mandato”.

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Analistas jurídicos e políticos ouvidos pela Voz da América discordam das garantias do Presidente da República e lembram que há um ano que a Procuradoria-Geral da República (PGR) não investiga ou leva a julgamento novos casos envolvendo figuras de proa do regime do antigo Presidente, José Eduardo dos Santos.

Eles acrescentam que outros processos continuam “adormecidos” nos tribunais ou na PGR e apenas três altos dirigentes do partido no poder foram julgados e condenados, desde que João Lourenço tomou o poder em 2017.

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“A corrupção apenas mudou de cor e substituiu uns por outros”, considera o jurista Lindo Bernardo Tito, para quem “o Presidente angolano tem que fazer um discurso político e nunca vai assumir os fracassos de uma suposta estratégia de combate à corrupção, que nunca existiu ”.

Tito diz que o combate à corrupção foi usado por João Lourenço como “chavão” para uma afirmação política.

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Vera Daves: “Corrupção tem de ser combatida de cima para baixo”

Para o analista político Ilídio Manuel “o combate à corrupção não passa de uma fachada, à semelhança do que se disse no passado e fracassou a partir do momento em que começou a ser selectivo”.

Manuel defende que o combate à corrupção deveria começar agora pelo poder judicial, ou seja, pelos tribunais e pela PGR.

Casos conhecidos

Entretanto, no quadro do processo que visa combater a corrupção vários colaboradores do falecido Presidente José Eduardo dos Santos continuam com os processos-crime “arquivados”, mesmo depois de terem sido constituídos arguidos, como são os casos dos generais Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e Leopoldino do Nascimento “Dinho”, do antigo director do Instituto dos Estradas de Angola (INEA), Joaquim Sebastião e do ex-governador adjunto da Lunda-Sul, Ernesto Kiteculo.

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Em Junho de 2022, o Tribunal Supremo fez "o despacho de despronúncia e arquivamento" do processo movido contra o general Higino Carneiro que iliba o antigo governador de Luanda dos crimes de peculato.

Por outro lado, foram julgados e condenados o antigo ministro da Comunicação Social e director do Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing da Administração , Manuel Rabelais, a 14 anos de prisão efectiva, e o ex-ministro dos Transportes, Augusto Tomás, já solto depois de cumprir quatro dos oito anos de prisão.

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José Filomeno ´Zenu´ dos Santos, filho doantigo Presidente José Eduardo dos Santos, e o antigo governador do BNA Valter Filipe continuam a aguardar pela decisão do Tribunal Supremo em segunda instância na sequência de um recurso da defesa contra a condenação de 5 e 6 anos de prisão, respectivamente, no conhecido caso “500 milhões”.

O empresário Carlos São Vicente foi condenado, a 24 de Março de 2022, a nove anos de prisão efectiva pelo Tribunal da Comarca de Luanda e ao pagamento de uma indemnização de 500 milhões de dólares.

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Antigo proprietário da seguradora AAA, São Vicente foi acusado de praticar crimes de peculato, branqueamento de capitais e fraude fiscal, por via de um suposto desvio de 900 milhões de dólares da petrolífera angolana, Sonangol.

Não menos mediático foi o conhecido "caso Lussati”, que envolveu o major angolano Pedro Lussati condenado a 14 anos de prisão e 100 dias de multa pelos crimes de peculato, fraude no transporte de moeda e branqueamento de capitais.

No mesmo processo estiveram implicados mais 48 arguidos, incluindo altas patentes militares e civis, supostamente envolvidos no desvio de milhões de dólares através de um esquema fraudulento de pagamentos de salários inflacionados e a funcionários "fantasma".

O Ministério Público angolano pediu "condenação máxima" para o major Pedro Lussati e os restantes 48 co arguidos por agirem de "má-fé" e de "forma dolosa".

Refira-se a existência de vários processos contra a empresária Isabel dos Santos, filho do anterior Presidente da República, que tem um mandado de captura internacional entregue à Interpol.

Dinheiros por recuperar

De recordar que o Governo de João Lourenço previa recuperar 50 mil milhões de dólares em activos e bens nos próximos anos, mas, de acordo com a procuradora-geral da República adjunta, Inocência Pinto, até Abril deste ano tinham sido apreendidos e recuperados 27 mil milhões.

No discurso que pronunciou na abertura do Ano Parlamentar 2022-2023, João Lourenço anunciou que "no período de 2019 a Setembro 2022, procedeu-se à apreensão de bens e valores no valor de cerca de 15 mil milhões de dólares americanos, sendo que 6.8 mil milhões de dólares foram apreendidos em Angola e o restante no exterior do país”.

Enquanto isso, a PGR anunciou recentemente que vai passar a publicar a lista dos bens recuperados Serviço Nacional de Recuperação de Activos visando maior transparência do processo.

A directora daquele órgão, Eduarda Rodrigues garantiu que está a ser criado um site onde vai constar “o que foi recuperado, onde está localizado, a quem foi dada a responsabilidade da sua gestão, porque se considera essencial esta clarificação”.

A também procuradora-geral-adjunta da República sublinhou que o processo passa por atribuir a guarda dos bens recuperados ao Banco Nacional de Angola (BNA), ou, por exemplo, ao Cofre Geral do Estado ou ao Instituto Geral de Activos e Participações do Estado, dependendo da sua natureza.