Juízes moçambicanos pedem abrigos para vítimas de violência doméstica

Violencia contra a mulher

De janeiro de 2020 até finais de junho de 2024, foram julgados mais de 14.200 processos relacionados com casos de violência doméstica

Juízes moçambicanos defendem a criação de abrigos para vítimas de violência doméstica no país, onde, segundo o Tribunal Supremo, de janeiro de 2020 a Junho de 2024, foram julgados mais de 14.200 processos relacionados com casos de violência doméstica.

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Juízes moçambicanos pedem abrigos para vítimas de violência doméstica

Especialistas do setor esperam que, ainda neste ano, seja possível começar a implementar um guião para julgamento e o processamento de casos criminais tendo em conta a perspetiva do género.

O Estado moçambicano é signatário de diversos instrumentos internacionais e regionais, incluindo a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres.

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A nível interno o país tem muitas leis que protegem a mulher e a criança, mas as mulheres moçambicanas enfrentam uma série de obstáculos no acesso à justiça, especialmente quando se trata do processamento e julgamento de casos criminais que as envolvem, como a violência doméstica baseada no género, disputas de terras, heranças ou outras questões legais.

“Grave sob o ponto de vista que ela tem danos bastante profundos até sobre o nosso sistema económico, a nossa economia perde muito quando nós temos que 80 por cento da nossa economia é assegurada por mulheres, e quando olhamos para a escala de violência doméstica, para as taxas de violência doméstica, percebemos que a mulher é a maior vítima”, afirma Quitéria Guirengane, ativista social e secretária executiva do Observatório das Mulheres,

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Ela aponta um contexto em que muitas das mulheres ainda encontram estereótipos de género desde o momento em que elas vão meter a queixa na policia até ao momento em que elas são julgadas, “…encontram estereótipos de género quando voltam à família e comunicam que meteram a queixa e começam a ser diabolizadas, perseguidas, atacadas em função de um direito que elas estão a salvaguardar”

Guirengane queixa-se da fraca resposta dos órgãos da Administração da Justiça aos vários crimes cometidos contra as pessoas do sexo feminino.

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Muito por fazer

Deise Lobo, juíza de direito afeta ao Tribunal Judicial da Cidade de Quelimane, na Zambézia, reconhece que os casos de violência doméstica são muito graves e que há que fazer muito mais do que está a ser feito actualmente.

Aquela magistrada diz que muitas mulheres, depois de terem apresentado queixa, desistem dos processos, por vários motivos.

“Desde que elas apresentam a queixa até ao dia do julgamento, muitas das vezes elas continuam na mesma casa que o agressor. Há vezes em que vêm ao julgamento com o agressor. Saíram os dois da mesma casa para o julgamento. Nós não sabemos de que forma ele intimidou a ela. Não sabemos se ele persuadiu a ela a desistir. Então, era nesse sentido que eu falava de protecção à vítima”, afirma Lobo, para quem “é necessário, por vezes, retirar a vítima daquele ambiente de agressão para que ela tenha mais independência quando vai fundamentar o quê que lhe aconteceu e até ficar firme naquilo que é a punição para o agressor”.

De janeiro de 2020 até finais de junho de 2024, foram julgados mais de 14.200 processos relacionados com casos de violência doméstica, em Moçambique.

O maior número de processos, cerca de 4 mil, registou-se na província de Inhambane.

Violência física é o tipo de infração que mais se comete no tpaís, e no entender de Deise Lobo, também vice-presidente do Fórum Nacional de Magistrados Judiciais e do Ministério Público, é hora do país ter abrigos para acolher especificamente vítimas de violência doméstica.

“Porque nós ainda não temos isto previsto na lei, em termos específicos. Como é que vamos proteger esta vítima? Para onde encaminhamos esta vítima? Não há sítios para encaminhar as vítimas. Então, com a construção destas redes de apoio, é possível termos sítios concretos onde o magistrado saiba que olha ou o procurador, ou na esquadra, encaminhem a vítima para um sítio concreto onde ela vai ficar até ao dia do julgamento e, depois do julgamento, vê-se”, conclui aquela juíza.

O tema foi analisado recentemente pelo Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, através do Centro de Formação Jurídica e Judiciária, em colaboração com outras instituições e organizações ligadas à Administração da Justiça e parceiros de cooperação, com a presença de profissionais do sistema judicial, especialistas, académicos e ativistas que adoptaram um protocolo que está a ser elaborado e que passará a ser um instrumento de trabalho aconselhável no sistema judicial.

Elisa Samuel, directora-geral do Centro de Formação Jurídica e Judiciária, espera que ainda este ano seja possível começar a implementar o guião que preconiza o julgamento e o processamento de casos criminais no judiciário sempre com a perspectiva do género.