José Maria Neves: "África não pode transformar-se num muro de lamentações" mas tomar decisões centradas no continente

Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, em entrevista à Voz da América em Nova Iorque

Em entrevista à VOA, o Presidente de Cabo Verde aborda a má política, reconhece que líderes têm falhado, mas afirma que a África tem tudo para dar um grande salto, desde que se tomem “medidas para equacionar e resolver estes problemas definitivamente”.

A pandemia da Covid-19 e a guerra na Ucrânia revelaram grandes fragilidades dos Estados africanos, facto que deve impulsionar os países para uma segunda libertação, afirma o Presidente de Cabo Verde em entrevista à VOA em Nova Iorque.

“África não pode transformar-se num muro de lamentações porque os países ricos não foram solidários com África no fornecimento de medicamentos e vacinas”, diz José Maria Neves, que pergunta, em jeito de afirmação “por que a África não pode produzir os seus medicamentos e vacinas?”

Para ele, o continente “tem competências, capacidades e recursos para produzir seus medicamentos e vacinas”, mas não tem sabido capitalizar esses recursos.

Também com a guerra na Ucrânia, Neves aponta a grave escassez de alimentos quando “África tem grandes quantidades de áreas aráveis, tem água, tem capacidades humanas..”

Lideranças fortes e visionárias

Na óptica do Chefe de Estado cabo-verdiano, “a pandemia e a guerra surgem como uma grande oportunidade para o continente africano” que tem tudo “para para dar um grande salto".

Álvaro Ludgero Andrade, jornalista da VOA, e José Maria Neves, Presidente de Cabo Verde, Nova Iorque, 20 Setembro 2022

Para inverter esse quadro, é “preciso haver consciência, é preciso haver liderancas fortes, visionárias, estrategas, capazes de catalizar este novo momento” porque, assinala, há que “tomar medidas para equacionar e resolver estes problemas definitivamente”.

Assumido como optimista, questionado sobre o que emperra os líderes africanos de superar em esses problemas, apesar das enormes potencialidades dos respectivos países, o antigo primeiro-ministro por três mandatos (15 anos) reconhece que algumas lideranças em África têm falhado e é importante que se encontrem novos caminhos.

“Tem havido em África muita reflexão sobre o seu futuro, o Documento 2063 é um documento disruptivo, fundamental, há muito discurso político, mas falta a implementação, com base em opções inovadoras centradas no continente africano”, defende José Maria Neves, que para tal, sugere “um sistema de governação multinível, entre a União Africana, as organizações sub-regionais e os Estados, uma certa divisão de trabalho, capaz de produzir reformas do Estado, separação de poderes, determinar limites, proporcionar maiores liberdades individuais, maiores investimentos sociais...”

Nova ONU e "má política

Em Nova Iorque para participar na Assembleia Geral da Nações Unidas pela primeira vez na qualidade de Presidente da República, Neves defende que elas “continuarão a ser necessárias porque precisa-se de um espaço de concertação entre todos”, mas a organização precisará “de uma profunda reforma”.

“O que deve surgir desta gestação de uma nova ordem mundial é uma nova Organização das Nações Unidas”, resume aquele estadista que alerta para o perigo da guerra na Ucrânia “se resvalar para um conflito mundial porque põe em causa todos os princípios da ONU”.

“Uma guerra como esta não se justifica em pleno século 21”, rematou.

Na entrevista, o Presidente cabo-verdiano aborda o surgimento de autocratas devido ao que chama de “degenerescência da política”, o perigo que as democracias enfrentam, a necessidade de diálogo e diz que hoje faz-se política de “má qualidade”.

Durante o seu mandato de cinco anos, iniciado em Novembro de 2021, José Maria Neves assume estar enfocado em fazer que “os cabo-verdianos não percam a fé no país, quase 50 anos depois da Independência Nacional”.

Acompanhe a entrevista na íntegra:

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"África tem de deixar de ser um muro de lamentações", afirma Presidente de Cabo Verde que defende políticas centradas no continente