Jornalistas cabo-verdianos manifestaram-se a meio da tarde desta sexta-feira, 4, na cidade da Praia, contra tentativas de silenciamento da imprensa, em especial o uso de um artigo por parte da Procuradoria-Geral da República para indiciar profissionais da imprensa.
A manifestação convocada pela Associação dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC) exigiu que seja revogado o artigo 113 do Código do Processo Penal, que criminaliza as pessoas que divulgarem parte de um processo em segredo de justiça, apesar de, no número anterior, a mesma lei determinar que o jornalista não está abrangido pelo segredo da justiça.
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“A AJOC defende a revisão da legislação no sentido de fazer cair o artigo 113 para que a imprensa seja mais livre em Cabo Verde”, defendeu Geremias de Sousa Furtado, presidente da AJOC.
O líder do sindicato da classe destacou a “forte adesão e mobilização” de profissionais de comunicação social e de “pessoas amigas e a favor” da imprensa livre no arquipélago.
Furtado afirmou não haver motivos para retaliações e não acredita que possam vir a existir porque não é prática no país.
“Estamos só a fazer uso de um direito que temos”, acrescentou o presidente da AJOC que, no entanto, reconheceu que esses casos podem fazer o país cair nos rankings de liberdade de imprensa em que geralmente está entre os 30 países mais livres do mundo.
No início da manifestação os jornalistas tentaram chegar perto do Ministério da Justiça, mas foram impedidos por um contigente policial fortemente armado, que os manteve a mais de 100 metros do edifício.
O caso
A manifestação aconteceu no momento em que o jornalista Daniel Almeida e o director do jornal A Nação, Alexandre Semedo, eram ouvidos na Procuradoria-Geral da República, em princípio, segundo admitiu Almeida, na sequência de reportagens sobre o chamado caso “Zezito Denti d´Oro”, que também levou o jornalista Hermínio Silves e o jornal digital Santiago Magazine, de que é director, a serem constituídos arguidos por desobediência qualificada.
O caso data de 2014, quando Zezito Dento D´Oro terá sido morto uma operação da Polícia Judiciária (PJ), alegadamente dirigida pelo então director nacional adjunto da corporação, Paulo Rocha, actual ministro da Administração Interna.
Aqueles profissionais revelaram nos respectivos meios de comunicação detalhes do processo em investigação há sete anos na PGR, que, a serem verdade, poderão incriminar Paulo Rocha e a corporação.
Em entrevista à VOA, o ministro nega o seu envolvimento e considera tratar-se de uma manobra para manchar o seu nome e da própria instituição do Estado.
Governo aberto a mexer na lei
Em entrevista à Televisão de Cabo Verde, o PGR considerou que o foco dos protestos dos jornalistas não deveria ser o Ministério Público, já que quem aprova as leis são o Parlamento e o Governo.
José Luis Landim afirmou que a instituição a que preside apenas faz a interpretação e aplicação estrita da lei vigente.
Entretanto, hoje, a ministra da Justiça revelou abertura do Governo para uma eventual alteração da lei, nomeadamente o artigo 113 do Código de Processo Penal.
“Acho que o Governo não pode fechar-se, nós estamos sempre abertos, enquanto ministra da Justiça estou aberta a receber contributos e apresentar ao parlamento alterações legislativas que se mostrarem necessárias”, afirmou Joana Rosa aos jornalistas durante uma visita à sede da PJ, na cidade da Praia.
No entanto, ela lembrou que o assunto “é da competência do Parlamento, caberá ao Parlamento aprovar, ou não, mas do ponto de vista do Ministério da Justiça há total abertura”.
Refira-se que o Presidente da República, José Maria Neves, que na quarta-feira, 3, recebeu uma delegação da AJOC, pediu diálogo e bom senso das partes no sentido de salvaguardar sempre a liberdade de imprensa e a democracia.