A consultora KPMG considera que a indústria de Angola está abaixo de zero, embora reconheça um ligeiro crescimento, mas a um nível muito abaixo da média que se verifica na região austral do continente africano.
Especialistas angolanos mostram-se divididos, uns dizem que a conclusão é um exagero, enquanto outros afirmam não se surpreender.
A consultora baseia a sua constatação em vários eixos que considera serem os principais elementos que emperram o alavancar do sector industrial em Angola, nomeadamente as infraestruturas, os recursos naturais, as políticas públicas de estabilidade económica, política e social.
O engenheiro Galvão Branco, que liderou durante anos um segmento industrial de Angola, diz ser “claramente uma afirmação exagerada" e que "é pena vir de uma conceituada consultora como a KPMG".
Branco reconhece ser “óbvio que a indústria tem níveis" e que os níveis atingidos "ainda não são os desejáveis, mas nunca próximo de zero, é de facto infeliz tal afirmação”.
O presidente da Associação Industrial Angolana, José Severino, refere que a afirmação da KPMG só pode ser interpretada como sendo motivar e impulsionar o setor e nunca uma realidade.
"O setor da indústria de hoje em Angola é inclusive preocupação do titular do poder executivo, presidente da República João Lourenço, o país reagiu muito bem à Covid-19 e hoje temos muitas fábricas de detergente, material higiénico”, afirma José Severino, para quem “é preciso agora pressionar as indústrias que se associam, sobretudo na agricultura, para termos matérias-primas, mas há muito trabalho a montante para que a indústria cresça à medida do crescimento da região, de 12 a 14 por cento."
Por seu lado, o investigador do Instituto para o Desenvolvimento e Democracia, Aleixo Sobrinho, considera que a constatação da consultora sobre a indústria "é até simpática", porque, para ele, não existe indústria no país.
"Nós tínhamos desde o tempo colonial uma indústria funcional. Angola fabricava fósforos, tínhamos indústria do cafe, e de algodão. Angola era o primeiro e maior produtor de farinha de peixe do mundo, terceiro maior em transformação do café, tínhamos indústrias de calçado, de tecido, de óleo de palma”, enumera Sobrinho, que acusa as autoridades de terem destruído tudo.
"Aquando a independência de Angola, eu tinha 23 anos, participei no polo de desenvolvimento deste país. Hoje, infelizmente, esta gente destruiu tudo. Estragou. Hoje, nós não temos indústria a funcionar, nem palitos, nem cebolas, temos que importar a massa de tomate quando tínhamos indústria a funcionar”, conclui.
Américo Vaz, economista, diz também concordar com a constatação feita pela KPMG.
"Sem rodeios, vamos perceber que nós não temos indústria em Angola, um setor que, por um lado, produz emprego de qualidade, e, por outro, cria condições para que o país se desenvolva”, alerta Vaz. “Estamos num estágio em que se não se meter mão nisso, não sei onde é que vamos parar. Nós não temos indústria. Basta ver que tudo o que comemos é importado. E isto é propositado, porque as pessoas preferem fazer importação, que é mais fácil e rápido, para ganhar dinheiro”, analisa o economista.
O economista conclui que “se criou um lobby em Angola que destruiu a matriz industrial" existente. Segundo Vaz "este grupo controla o setor de importação e tem todas as condições criadas para manter a importação até onde der”.