Guerra e repressão aumentaram violações dos direitos humanos em Moçambique, diz Amnistia Internacional

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Polícia reprime marcha de homenagem a Azagaia em Maputo, Moçambique

Relatório diz que grupos armados “cometeram crimes de guerra decapitando civis, sequestrando mulheres e meninas, saqueando e incendiando aldeia” e que as forças de segurança sequestraram comerciantes para extorsão.

A crise humanitária agravou-se em 2022 em Moçambique devido às violações dos direitos humanos registadas no conflito entre terroristas do autodenominado grupo Al-Shabab e as Forças de Defesa e Segurança do país, com a ajuda da missão da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral e do Ruanda.

A conclusão é do Relatório do Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2023, da Amnistia Internacional (AI) divulgado nesta terça-feira, 28.

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O documento também destaca que os direitos à liberdade de reunião e de associação pacíficas foram reprimidos, ao mesmo tempo que uma nova lei de organizações não governamentais ameaça limitar o espaço cívico caso for aprovada.

“Grupos armados continuaram a incendiar aldeias, decapitar pessoas e sequestrar mulheres e meninas. Enquanto isso, as forças de segurança do Governo que operam na área também cometeram violações dos direitos humanos contra a população, incluindo desaparecimentos forçados, assédio e intimidação de civis e extorsão de pagamentos de comerciantes”, diz a AI, que enfatiza que os deslocados internos continuam a viver em condições deploráveis, com pouco acesso a alimentos, água e moradia.

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Forças de Defesa e Segurança também violam direitos

O relatório é claro ao dizer que as ofensivas conjuntas contra grupos armados das forças moçambicanas, ruandesas e da Missão da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral em Moçambique (SAMIM) “não conseguiram acabar com a insurgência”, mas, ao contrário, “grupos armados se dispersaram e lançaram novas frentes de ataque em regiões anteriormente não afectadas, movendo-se para oeste e sul nas províncias de Niassa e Nampula.

A organização de defesa dos direitos humanos acusa os grupos armados de “cometeram crimes de guerra decapitando civis, sequestrando mulheres e meninas, saqueando e incendiando aldeia”, no relatório que apresenta vários exemplos.

Também do lado do Governo, a AI afirma que “as forças de segurança moçambicanas na província de Cabo Delgado raptaram e fizeram desaparecer à força comerciantes para fins de extorsão”, apresentando também vários casos.

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O julgamento dos 19 acusados no escândalo das dívidas ocultas também mereceu referência no relatório, segundo o qual “expôs a traição da confiança pública e o abuso das instituições estatais para ganhos financeiros pessoais” e “a profundidade e amplitude das vulnerabilidades económicas, sociais e políticas a que o país esteve exposto durante os sucessivos governos da Frelimo”.

Os direitos à liberdade de reunião e associação pacíficas foram reprimidos ao mesmo tempo que há iniciativas legais para reduzir o espaço cívico em Moçambique, diz a AI.

“No dia 5 de Fevereiro, polícias fortemente armados e com cães impediram um grupo de jovens de realizar um protesto pacífico contra o pagamento de pedágios no anel viário de Maputo, a capital, tendo o líder do grupo, Clemente Carlos, sido preso e detido na 18ª Delegacia de Polícia, onde foi agredido física e verbalmente”, relata o documento, que também cita a repressão violenta de “um protesto pacífico de comerciantes no distrito de Gondola, província de Sofala, contra a sua expulsão, sem consulta e aviso adequado, por parte das autoridades municipais”, no dia 18 de Agosto.

A AI diz que a polícia usou munição real e atirou e feriu três manifestantes.

O relatório alerta que "no meio da crescente repressão", o Governo moçambicano tenta aprovar uma nova lei relativa às organizações não governamentais “considerada uma ameaça à sociedade civil e à liberdade de associação” e conclui que as várias crises que o país atravessa provocam uma "desconfiança profunda" nas autoridades.