Governo de Cabo Verde abre inquérito para apurar denúncias de maus-trartos de cidadão guineense

PM garante que resultados serão revelados, mas reitera confiança na Polícia

O Governo de Cabo Verde instaurou um inquérito para saber o que passou com o cidadão guineense Jorge Mário Fernandes, que denunciou ter sido alvo de maus-tratos e prisão no Aeroporto Internacional Nélson Mandela no passado dia 1.

O caso foi alvo de muitas reacções na sua maioria de condenação da actuação na fronteira na Praia, tendo o Presidente de Cabo Verde pedido uma investigação com consequências e o Governo guineense dito que espera uma posição do Executivo da Praia.

"Um rigoroso inquérito está a ser instaurado para apurar os factos e as eventuais responsabilidades. Os resultados do inquérito serão tornados públicos. Havendo responsabilidades resultantes do incumprimento da lei, das normas e das boas práticas, o Governo agirá em consequência", garantiu Ulisses Correia e Silva, dois dias depois da publicação nas redes sociais de uma carta do professor guineense Jorge Mário de Fernandes a governantes de cabo-verdianos na qual ele descreveu a forma como foi tratado na fronteira.

Antes, o Presidente da República, Jorge Carlos Finseca, exigiu uma investigação "séria e rigorosa" ao ocorrido, que considerou "ser grave".

Fonseca disse que, a ser verdade, a situação é completamente “inaceitável” num Estado de Direito.

Ambos, no entanto, reiteraram a sua confiança na Polícia Nacional, embora prefiram esperar pelos resultados.

"A Polícia Nacional é uma instituição credível e respeitada. Quando existirem incidentes como os relatados pelo cidadão guineense ou pela jovem cabo-verdiana recentemente, alegadamente vitima de estupro, devem ser acionados os mecanismos de inquirição, de apuramento de responsabilidades e de ações consequentes. É isto que está a ser feito em ambos os casos", sublinhou o primeiro-ministro.

Em Bissau, o primeiro-ministro Aristides Gomes disse estar a acompanhar o caso e que espera esclarecimentos do Executivo da Praia.

“Sobre o alegado mau trato e abuso de poder contra o nosso cidadão Jorge Mário Fernandes pelas autoridades policiais cabo-verdianas no aeroporto da cidade da Praia, apelamos à calma e ponderação. O Governo da Guiné-Bissau está a acompanhar atentamente a situação e por vias diplomáticas está a tratar o assunto. Na altura certa irá emitir um comunicado oficial sobre o caso”, escreveu o primeiro-ministro guineense, na sua página oficial no Facebook, enquanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros adiantava que a chefe da diplomacia, Susy Barbosa, falou na quinta-feira,3, com o seu homólogo cabo-verdiano, a “quem solicitou a abertura de um inquérito para averiguar o ocorrido”.

Jorge de Pina Fernandes escalou o aeroporto da capital cabo-verdiana no dia 1 de Outubro a caminho do Brasil, onde é residente e termina o seu doutoramento.

Na fronteira, diz ter sido alvo de maus-tratos pelo polícia do Serviço de Emigração e Fronteiras que lhe retirou o passaporte e o reteve por dois dias.

“Seguiram-se sessões de humilhações, mandaram-me para o raio-X com comprovar que não carregava nada ilegal comigo, depois do nada consta da máquina, mandaram-me sentar num quarto lá do aeroporto a espera do…nada. Depois de mais de duas horas sentado, veio uma outra agente de nome Ângela (não consegui reter o sobrenome), começou a fazer-me várias perguntas e fui respondendo, por último perguntou-me o que eu fazia da vida, disse-lhe que era professor universitário e ela em tom de deboche, disse-me que também era professora, a família toda era e que não existia nada que eu poderia dizer que ele não sabia, aí falei, que bom. Então qual a razão da minha permanência aqui nesta sala há mais de duas horas? Perguntei a ela e ela ”não sei, vim substituir o agente Tavares e ele não me passou a sua ocorrência, pelo que vais ter que aguardar o chefe chegar”, respondeu-me”, narra Jorge de Pina Fernandes

Com muitos detalhes, o cidadão guineense, que não teve acesso a um teleone para se comunicar com a pessoa que o foi recolher ao aeroporto porque, segundo um agente “não tinha esse direito em Cabo Verde”, conta que começou a filmar o que estava a acontecer como provas.

“Vieram os dois (agentes) para cima de mim, numa acção brutal, deram-me um grampo e retiraram o meu telefone celular e me jogaram na cela, passado uns 20 minutos voltaram para a cela e obrigaram-me a desbloquear o meu telefone para apagar o vídeo das agressões verbais e físicas que tinham feito contra mim, o que recusei na hora, mas sob ameaça de delectarem tudo o que tinha no telefone, fui obrigado e desbloquear e apagar o vídeo”, diz Fernandes.

O professor universitário guineense esteve dois dias preso, “feito um animal, sob humilhações e coisas de baixo nível, sem o conhecimento da embaixada e muito menos da minha família e amigos que estavam todos aflitos sem saber do meu paradeiro”.

Ele conta que foi então que surgiram “duas policiais do bem” que estranharam a presença dele lá e que depois de ouvir a história tiraram-no para fora “contrariadas com toda aquela situação, pediram-me desculpas e ligaram para o Dr. Cláudio Furtado que era a pessoa que iria receber-me na Praia”.

Fernandes seguiu na sexta-feira, 4, para o Brasil.